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Nos finais de semana, aumenta o número de briga de casais

Rita de Cássia Cornélio
| Tempo de leitura: 8 min

Os finais de semana e feriados estão se tornando um pesadelo para muitas mulheres. É nesse período que elas passam mais tempo ou encontraram com seus companheiros ou ex. Mas o encontro nem sempre é saudável. Coisas banais, que poderiam ser resolvidas com diálogo, tornam-se  motivos para desavenças. E na maioria dos casos, a mulher apanha e sofre ferimentos. A constatação foi feita pela equipe do JC através de boletins de ocorrência e é confirmada pela Delegacia de Defesa da Mulher.

Embora não tenha números separados por final de semana e feriados, a titular da Delegacia da Mulher, Priscila Bianchini, diz que há grande incidência de violência doméstica em períodos prolongados sem trabalho. “É no período de descanso, lazer, que o homem ingere bebidas alcoólicas ou drogas. Por motivos banais, começam as discórdias e a casa se torna palco de brigas onde, na maioria dos casos, a mulher leva a pior.”

Ela ressalta que durante a semana, as pessoas trabalham, e além de passarem menos tempo juntas, não ingerem bebidas e nem drogas por conta do serviço. “Em muitos casos, os dois trabalham. Mas mesmo quando um só deles trabalha, a convivência é menor nos dias úteis. A briga começa porque o almoço não está pronto na hora em que ele quer, porque as crianças não são bem cuidadas, porque ele quer dinheiro para comprar bebidas, os mais banais possíveis. Uma situação que poderia ser resolvida com diálogo se transforma em agressão, tanto verbal quanto física.”  

No mesmo período, os ex-companheiros se encontram com a mulher para pegar os filhos e também se agridem da mesma maneira. “As desavenças acontecem porque o homem atrasou, porque adiantou ou porque a criança não está pronta etc. As ofensas e ameaças ocorrem com frequência. A violência também ocorre com os namorados e ex-namorados que se encontram nos finais de semana e feriados.”  

Na delegacia, a maioria dos homens nega as agressões. Apenas 20% assumem e, mesmo assim, culpam as mulheres. “A minoria confirma que agrediu e estão sempre na defensiva. Dizem que foi a mulher quem deu um tapa nele e ele se defendeu segurando o braço dela, empurrando etc. Eles alegam que foram agredidos verbalmente. Em alguns casos, a mulher diz que no calor da discussão acabou falando algo que desagradou o companheiro. Eles odeiam ser chamados de corno e ‘viado’. Sentem que a masculinidade fica afetada.”

Vai preso    

O homem agressor foge da casa quando bate na mulher, constata a delegada. “Se forem presos em flagrante, vão presos. Já tivemos casos de prisão por lesão corporal, ameaça e para aqueles que não cumprem as medidas protetivas determinadas pela Justiça. Quando não configura o flagrante, podem ser presos durante o inquérito policial.”

A delegada explica que quem determina se o ferimento é grave ou leve é o médico legista. “Há casos em que o plantão do final de semana solicita a presença do médico para constatar a lesão. A Lei Maria da Penha prevê pena de um a três anos e cabe prisão em flagrante. Há inúmeros casos de agressores que são presos.”

Vale lembrar que a Secretaria do Bem-Estar Social (Sebes) mantém na cidade uma casa para abrigar mulheres vítimas de violência doméstica. A casa de acolhimento não tem endereço divulgado para manter  mulheres e crianças longe do agressor.

Agressões

  • 48% das mulheres agredidas declaram que  violência aconteceu em sua própria residência; no caso dos homens, apenas 14% foram agredidos em casa (PNAD/IBGE, 2009).
  • 3 em cada 5 mulheres jovens já sofreram violência em relacionamentos, aponta pesquisa realizada pelo Instituto Avon em parceria com o Data Popular (nov/2014).

  • 56% dos homens admitem que já cometeram alguma dessas formas de agressão: xingou, empurrou, deu tapa, deu soco, impediu de sair de casa, obrigou a fazer sexo.  (Data Popular/Instituto Avon 2013).
  • 77% das mulheres que relatam viver em situação de violência sofrem agressões semanal ou diariamente.  Balanço do Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR).
  • Para muitos homens, mulher é objeto

    Um caso registrado na manhã da última quinta-feira (29) na cidade de Ibitinga ilustra bem o quanto o homem se sente dono da mulher. Daniel Santana dos Santos, 27 anos matou a ex-mulher Isabel Cristina Farias com seis tiros de pistola. A ex-mulher estava grávida de três meses do atual companheiro e no momento da agressão carregava a filha deles no colo, conforme noticiado nessa sexta-feira (30) pelo JC. (Clique aqui e saiba mais)

    Alex Mita
    Após uma série de xingamentos, ex-namorado da jovem de 24 anos atirou contra ela um copo

    O relacionamento havia terminado há seis meses, mas Daniel dos Santos não se conformou em ser trocado. Ele foi preso, assumiu que matou a ex-mulher e que em nenhum momento se preocupou com a filha, que assistiu as cenas de violência dentro do próprio lar. A menina também foi vítima da agressão do pai, embora tenha saído ilesa fisicamente. Ainda criança, ela já conheceu o que é uma sociedade patriarcal e muito dificilmente conseguirá apagar a imagem daquele que matou sua mãe.  
    Cicatrizes

    A estudante Josefina (nome fictício), 24 anos, namorou por três meses o também estudante João (nome fictício), 24 anos. Após o término do relacionamento, ele a encontrou dançando em uma boate. Achou que ela o provocava com olhares e, após uma série de xingamentos, atirou contra ela um copo. O vidro provocou lesões graves em seu rosto que demanda uma cirurgia plástica. O fato aconteceu em um final de semana de 2011, período em que ocorre a grande maioria da violência contra a mulher.

    São ex-companheiros, maridos e namorados que se revoltam com coisas banais e partem para as agressões. Se pego em flagrante, eles vão presos, mas em 80% dos casos eles respondem em liberdade. No caso usado para ilustrar, o jovem acusado pela agressão respondeu criminalmente e civilmente. A vítima ganhou o direito de fazer uma plástica reparadora e danos morais por toda a vergonha que passou durante o episódio. O caso ainda corre na Justiça e não teve um  desfecho final. Porém, pelo que constam nos autos, a mulher vai ganhar, mas não vai levar. O juiz que preside o caso na primeira instância, pediu o levantamento dos bens e a homem não tem como arcar com as despesas da cirurgia e da reparação dos danos.

    ‘Violência contra mulher tem causas estruturais’

    Malavolta Jr.
    Nilma Renildes: só processo educativo vai reverter situação

    A professora-doutora de psicologia social comunitária da Unesp/Bauru Nilma Renildes se debruça sobre a questão da violência contra a mulher e garante que as causa são mais estruturais. “Nessas causas mais estruturais  a gente tem detectado  que esses milhares de anos de vigência do patriarcado vai deixando um traço de machismo, onde a mulher se torna objeto do homem. Esse tipo de contrato continua. O lugar que ela ocupa na sociedade é o de responder ao que o homem espera dela. A situação é a mesma em qualquer lugar, seja  de 1º ou 3º  mundo, a violência contra a mulher é semelhante.”

    Para a especialista, a constatação foi feita durante o último congresso que contou com a participação de Portugal, Canadá, EUA, Brasil, dentre outros. “Finais de semana, feriados, trabalhar fora ou não,  não fez isso e não fez aquilo são fatores desencadeantes de uma crise pré-existente.”

    Na opinião dela a sociedade é opressora. “De  uma classe que oprime  a outra. Do ponto de vista estrutural, a origem é uma causa primária que perdura desde o momento em que a família deixou de ser uma família comunitária extensa e se tornou essa forma de família burguesa, onde a mulher foi para dentro de casa para cuidar de tudo e o homem só tem que trabalhar. Com as crises estruturais do Capital, a mulher está tendo que trabalhar fora para ajudar o homem. Só que o homem não ajuda ela dentro de casa, não tem a recíproca.”

    Todos nós estamos, em determinados momentos, estamos arriscados a  agir por meio da violência, ressalta a doutora. “Isso também é um traço estrutural do humano. Ele é o único ser que usa a violência a seu próprio favor. Os bichos, quando estão brigando, agem diferente. Aquele que está apanhando se retira e o que está batendo demais para. É raro encontrar entre os animais um deles que detona com outro da mesma espécie, só o homem faz isso.”

    Em seus estudos, a psicóloga percebe que há toda uma sociedade que obriga a mulher aceitar essa situação. “Se  conversarmos com mulheres acima de 50 anos, ouviremos que brigar com o marido e apanhar dele faz parte do casamento, está no pacote. O que assusta é que essa ideia vem sendo adotada por jovens de 18, 19 anos. Elas acham que apanharam porque estavam de mini-saia. A verdade é que ele bate porque se acha dono dela”, diz a psicóloga.

    Se isso não fosse verdade, esse homem apanharia quando fica sem camisa ou coloca uma bermuda e passa a mostrar suas pernas ou partes do seu físico. “Enquanto os homens podem sair só de shorts. A mulher vai ser sem vergonha se usar mini-saia e o homem estará fazendo o papel de macho. Percebe as inversões? E detectar os traços violentos durante o namoro não é tarefa fácil, porque no jogo da conquista muita coisa é ignorada.”

    Caminho de volta

    Para reverter a situação, na opinião da psicóloga, o caminho é o processo educativo desde a infância. “A criança precisa entender que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres. Tanto no processo de sociabilidade familiar como educativo. Na educação sistematizada  ele têm que aprender que entre os sexos, não existe isso de um ser mais que o outro, que um não é propriedade do outro.”

    Na opinião de Nilma Renildes, é da forma de organização em que uma classe pode dominar a outra que deriva todas as formas de dominação. “Começaria destruindo essa forma de organização que acha que uma classe pode dominar a outra. Todas as outras formas de dominação são derivadas disso. Não que antes não existisse violência, mas ela não era nessa escala nem nessa forma. Tinha um outro papel na organização social nessa é dominação mesmo, fazer da mulher objeto do homem”.

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