Aceituno Jr. |
José Luiz Paes, Marcos dos Santos, Evandro de Souza, Paulo Del Nery, Marco Zambon e Silvio Young |
Geralmente, o sonho de muita gente é construir no próprio imóvel uma área de lazer para receber os amigos e a família, seja para um happy hour ou para usufruir do descanso nos finais de semana. De preferência, um recanto com muito verde, sauna, piscina e, claro, uma boa churrasqueira. Ah! Se tiver salão de jogos, com mesa de tênis de mesa profissional, snooker e pebolim e um espaço para apresentações musicais fica melhor ainda, não é?
Pois a família do ex-policial civil José Luiz Paes conseguiu realizar esse sonho. E com uma pitada a mais: o local se transformou em clube de apaixonados por música, acima de tudo pelo rock. E o dia em que mais é utilizado é aquele em que, em geral, os clubes fecham para manutenção: às segundas-feiras.
E antes que alguém pense que isso é coisa de gente milionária e que é preciso muito dinheiro e muito espaço para tudo isso, vai aqui uma ressalva: nada disso, o clube é bem classe média mesmo e o espaço de pouco mais de 100 metros quadrados é otimizado. Feito no capricho, mas nada de ostentação.
E o mais legal da história é que o clube nasceu despretensioso, mas o Universo conspirou para que o desejo do dono da casa (o local de lazer) se realizasse com um plus: o clube de rock. Apaixonado pelo gênero, ele conquistou a amizade de músicos tradicionais da cidade e tem entre os membros do espaço pelo menos quatro experts da área: Silvio Young, Marco Zambon, Evandro de Souza e Paulo Del Neri.
Como tudo começou
Não há uma data certa para a formação do clube. O que há é uma consequência natural de algo que começou há uma década, pelo menos. José Luiz Paes e a mulher, a jornalista Vitoria Fernandes, idealizaram a área de lazer no espaço da casa. “Fizemos uma área de lazer aqui em casa para aproveitar os fins de semana e receber os amigos de vez em quando”, conta a jornalista, que já chegou a receber mais de 30 pessoas num único dia no local.
Os músicos passaram a vir separados do restante da turma e “acabaram virando programas fixos, mas é só deles, uma coisa meio clube do Bolinha dos vidrados em rock. Em alguns meses, rolam vários encontros; em outros, quase nenhum. Aconteciam com mais frequência, mas o ritmo diminuiu, ainda mais agora com essa crise!”, lembra Vitória.
E os comes e bebes que costumam regar as reuniões é rateado entre os presentes. “Para molhar a goela, fazemos um ‘bem bolado’ (brinca o dono do pedaço), até porque eu sou o Zé, mas o José Luiz Paes e não o Zé do Patrocínio”, diz brincando.
Com churrasco
E falando em comida, claro que os encontros não podem deixar de ter churrasco. Ao grupo juntou-se um churrasqueiro de primeira, o Marcos dos Santos, um mineiro que se especializou em cozinha na Espanha, onde morou por 10 anos, e sabe tudo de carne. Tem umas invenções para paulista nenhum colocar defeito, como a picanha com queijo parmesão e o molho de mostarda, ou ainda servir a carne só com shoyu (o tradicional molho de soja oriental). Nos últimos tempos, eles têm se reunido para chorar a perda de nomes lendários da música. Como quando BB King morreu ou, mais recentemente, David Bowie. Aí o repertório de quem foi para o outro plano é o escolhido. E, claro, com música se espanta a tristeza e se faz a justa homenagem.
Um espaço bem underground
O local foi batizado pelos músicos como Clube da Toca Ramones, em homenagem à toca que existe no local. Trata-se de uma casinha improvisada em uma árvore do quintal que recebe diariamente alimento e água para atrair os pássaros da região. Sim, este também é um local onde aves e animais são bem-vindos. E para complementar, claro, a referência à lendária banda de punk rock, os Ramones.
Se no local os “meninos”, como são chamados entre si, e pelas mulheres, se juntam para ouvir música, trocar ideias, tomar cerveja e claro, tocar e cantar quando estão com vontade, o ambiente também ajuda bastante. O anfitrião Zé decorou como se fosse um barzinho de rock, lotou as paredes de pôsteres e placas. Ficou um espaço bem underground e convidativo.
Em geral, cada uma das fotos e detalhe da decoração encerra em si uma história. Há junto do cartaz dos Beatles, por exemplo, o ingresso de um show do Paul McCartney devidamente emoldurado; um fax com assinatura de outro famoso, muitas relíquias garimpadas em antiquários. Sem falar na coleção de LPs que o dono da casa mantém.
‘O dia em que não dei maconha para Joey Ramone’
E pensar que o dono do pedaço é o único da confraria que não é músico. O rock estava na veia desde menino. Gostou, mas enveredou por outros caminhos, trabalhou em São Paulo e, já em Bauru, aposentado (da polícia, porque ele ainda trabalha em uma corretora), é que contatou Silvio Young como professor de guitarra. Isso 40 anos depois de ter contato com o rock.
Parou de estudar música porque teve LER – lesão por esforço repetitivo. Persistente, voltou a estudar contrabaixo, quando foi acometido de um AVC. Pensa que Zé desistiu de tocar? Nada disso. “Agora comprei outro baixo, além do Ephifone (em primeiro plano na foto principal), que é igual ao do Paul (McCartney, dos Beatles). O baixo que comprei é para canhoto, já que por causa do AVC um braço ficou prejudicado”, justifica.
E claro, fazendo jus ao nome do espaço, aqui vai uma história bem curiosa, com a banda homenageada. Zé e amigos saíram num feriado de Presidente Prudente em um ônibus fretado só com fanáticos para assistir ao show da banda no Brasil, em 96, em São Paulo. Depois, praticamente já no dia seguinte, foram a um local top da época, o Dama XOC, uma casa de espetáculos.
“Eu estava com meu amigo e proprietário do local, Roberto Emílio Felipe, estávamos no balcão interno quando o vocalista Joey Ramone chegou, bateu no meu ombro e pediu: “Do you have marijuana”?. Eu respondi: “I don’t have. I’m the policeman”. Ele saiu bravo e avisou os demais componentes da banda, fez um sinal de sujeira e não permitiu que meus amigos fotografassem”, conta, acrescentando que ficou muito chocado depois, ao saber que ele tinha câncer na garganta. Essa foi a razão da sua morte e ele usava a droga medicinalmente”.
Por fim, a saia-justa se resolveu e José Luiz Paes herdou um ingresso do Rock In Rio, com o autógrafo de todos do grupo. Presente do amigo dono do Dama XOC que presenciou o imbróglio. Essas e outras mil e uma histórias são relembradas por todos em cada encontro.
Com a palavra, um dos sócios
Marco Zambon, um dos músicos com cadeira cativa no Clube, conta o que representa o encontro dos amigos: “Para nós é uma terapia, onde falamos muita besteira, tocamos, cantamos, ouvimos, assistimos a shows, respeitando os 10 mandamentos da Toca”. E que mandamentos são esses? “São impublicáveis”, diz, divertindo-se. Respeita-se, então, esse estatuto secreto, mas pode-se publicar pelo menos uma história curiosa.
“Um dia o Zé foi buscar uma coisa dentro de casa e acabou dormindo e esqueceu a gente lá na Toca trancados. Quando nos demos conta, já eram umas 4h. Batemos à porta e quase fomos recebidos à bala...”, conta. Vitória Fernandes, a mulher do Zé, convive bem com a presença dos amigos. “Eu também adoro rock, mas nunca participo, pois o começo da semana é puxado para quem precisa acordar cedo e ir trabalhar. Não reclamo! Algumas noites são simplesmente mágicas e durmo ao som de serenatas especiais. Só não sei se os vizinhos concordam!”, diz.