Como é difícil ver alguém reconhecendo, sinceramente, que errou! E quando há um ‘mea culpa’, em geral não é sincera, não é profunda. Que tempos são estes? Qual é o problema em admitir uma falha?
A autocrítica seguida de um pedido de desculpa é enaltecedora, coisa de gente inteligente. Denota humildade que, na dose certa, é um marca notável das mais sábias pessoas. Então, por que a resistência, as tergiversações e, o pior, a mentira deslavada para justificar a ‘pisada na bola’?
O orgulho, a soberba e a vaidade seriam os responsáveis por essa barreira quase intransponível entre nosso estado de espírito e o mundo que nos rodeia?
Não precisa ser melodramático, mas, no ponto e no tom certo, admitir um equívoco agrega credibilidade e leveza ao ser humano. Também não é necessário açoitar-se 100 vezes para dizer que errou e transformar o ato, que deveria ser trivial, em um calvário.
E, outra coisa: se achar que não há o erro, geralmente apontado pelos que convivem em um grupo ou comunidade, que se defenda a assertiva ou ato que gerou a polêmica, mas com o uso da razão, não da paixão, porque esta é subjetiva, imobilizadora e tendenciosa.
‘Mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa’ é uma expressão em Latim que significa, em síntese, “minha culpa”, popularizada através da oração católica do Confiteor, na Missa de Rito Latino, em que aquele que ora manifesta a sua culpa e o seu arrependimento de ter pecado. Era comum nas missas, hoje nem tanto. O curioso é que a própria igreja já se utilizou desta ferramenta para reparar erros históricos.
Obviamente, também não acho que o ‘mea culpa’ deva ser admitido como na Idade Média, em que muitos cristãos se autoflagelavam para se redimir de pecados reais ou imaginários se dando chibatadas nas próprias costas, numa espécie de liturgia do sofrimento, para depois dormir em paz, com o dever cumprido. Isso é hipocrisia.
Culpa é coisa que nos atormenta desde há muito tempo. Profundamente instalada em nossa psique desde o início da civilização cristã, a culpa não nos abandona jamais. Fica em nós, como uma sombra ameaçadora.
“Se a interpretação da culpa nos servir, nos engrandecer e for adaptativa e adequada, funcionará certamente como um elemento para o nosso desenvolvimento pessoal. No entanto, muito de nós sentimo-nos culpados com bastante frequência, levando-nos para caminhos autodepreciativos e destrutivos”, pondera o psicólogo Miguel Lucas, que trabalha com a chamada ‘psicologia positiva’.
Tanto ele como outros psicólogos não têm a receita pronta e fácil para lidarmos com a culpa ancestral e contemporânea que carregamos. Mas uma prática de raciocínio parece cair bem neste caso: bom senso. E, creio, firmeza de propósito. Se tiver que contrariar muita gente em defesa de algo que, em determinado momento, foge à compreensão da maioria, não se culpe, mesmo contra todas as reações.
Não existimos para apenas agradar nossos interlocutores, mas para aprender e compartilhar o conhecimento. Se há algo importante a dizer, direi, mesmo correndo o risco de ser queimado nas modernas fogueiras da inquisição. Mas é preciso muito cuidado, desprendimento, sensatez, firmeza e ponderação, até mesmo para, em determinada situação, não exagerar na defesa de uma tese ou posição. Ou, de outra forma, para ir até as últimas consequências.
Enfim, a culpa ou mesmo o remorso pode estimular em nós uma saudável revisão do erro. Se soubermos lidar com ela na medida certa, servirá para aumentar nossa cautela e precaução com atos ou posicionamentos futuros. Pode nos trazer mais confiança para sermos assertivos e responsáveis sem nos omitir, esta (a omissão), por sinal, uma falha terrível que alimenta muitas desgraças que nos rodeiam e nos afetam.
Como diz um dos primeiros filósofos da humanidade, Confúcio: ‘O homem superior atribui a culpa a si próprio; o homem comum, aos outros...