Alberto Consolaro

Decoronação... E o novo sempre vem!

17/07/2021 | Tempo de leitura: 3 min

O paciente é um médico e o dentista, um destacado especialista. Ele explicava a necessidade de tirar o dente do siso ou terceiro molar inferior. Justificou que deveria extrair pois estava quase em contato com o dente vizinho com risco de reabsorvê-lo. Ao mesmo tempo, aquele dente apesar de ser do siso estava sem juízo ao abraçar o nervo da mandíbula daquele jeito. E continuou: - Na extração pode lesar o nervo e induzir uma alteração da sensibilidade ou até a perda completa dela, duas situações conhecidas por parestesia e anestesia!

O paciente médico, sem nenhuma formação odontológica, interrompe elegantemente o dentista e diz: - Ora doutor, então vamos decoronar este dente!!! O dentista quase caiu das pernas ao ouvir tal sugestão e perguntou: - Como assim? Você sabe desta técnica de tirar apenas a coroa do dente com o esmalte e deixar a raiz feliz abraçada ao nervo dentro do osso? O paciente respondeu: - Claro que sei doutor, eu sigo o senhor no Instagram! E sorriu marotamente.

MÍDIA E CONHECIMENTO

As revistas, jornais, televisão, internet, Instagram, Facebook, Twitter e Tik Tok, diminuem cada vez mais a distância entre leigos, profissionais e cientistas. Já não pega bem, os profissionais que gostam de usar palavras difíceis e rebuscadas incomuns entre os próprios pares e, muito mais ainda, na comunicação com a população leiga. Essas palavras difíceis apenas especialistas usavam e eram chamadas de jargão científico, médico, odontológico ou jurídico. Palavras e frases devem suavemente facilitar a compreensão da ideia por qualquer cérebro humano, de paciente a profissional.

No livro “O ‘Ser’ professor: a arte de ensinar e aprender” e nas minhas exposições, eu insisto dizer a meus caros colegas que o professor deve ter a humildade de aceitar que: - Se os alunos não entenderam a minha ideia, o problema não são os alunos e sim a minha forma de explicar e, neste caso, repito quantas vezes for necessário! Sempre fiz isto e se precisar requisito o testemunho de meus queridos alunos.

O mesmo se aplica ao explicar resultados de exames, planejamento terapêutico e técnicas a ser utilizadas pelos profissionais. Se o paciente e acompanhantes não entenderem, a culpa é do profissional que não está explicando de forma eficiente, deve se atualizar na arte de se comunicar! É difícil aceitar, mas os cérebros dos humanos são iguais, temos a mesma capacidade de compreensão, o problema e que não temos a mesma capacidade de comunicação, infelizmente.

REFLEXÃO FINAL

Falar para que todos entendam não é reduzir a profundidade do conhecimento, é apenas distribuir e fazer o conhecimento ser compreendido por todos já que fazemos parte do mesmo conjunto chamado sociedade. Manoel Bandeira disse: “O difícil e ser simples”. Clarice Lispector acrescentou: “... não se enganem, por trás da simplicidade, se tem muito trabalho”. Já o escultor Constantin Brancusi arrematou: “A simplicidade é a complexidade resolvida”.

O dente veio do osso na evolução das espécies. Quando traumatizados, os dentes podem se unir ao osso, o que se chama anquilose, e são substituídos lentamente por osso. Se a coroa dentária for eliminada e as raízes ficarem submersas, depois de alguns anos serão substituídas, sem deixar sinais. Nestas áreas, se manterá o volume e a mucosa normal, permitindo até que se coloque implantes dentários, mesmo logo depois da decoronação! Até pouco tempo atrás, a “Decoronação seguida de Implantes Dentários” era impensável, mas a ciência nos faz evoluir! Elis Regina e Belchior cantavam aos quatro ventos: - “... e o novo sempre vem”!

(Alberto Consolaro – Professor Titular da USP e Colunista de Ciências do JC)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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