No século passado houve um momento em que o depuramento da velocidade, promovido pela ciência tecnológica, passou a deslumbrar os muitos setores de ação e produção da sociedade. Ao se pensar nisso, velozmente a memória vai nos trazendo os grandiosos feitos primeiros e mesmo os posteriores. Para antes daquele século remontam os correios a cavalo, os pombos-correio, o telégrafo, o telefone, o rádio, o jornal impresso.
E então a TV surge com a comunicação audiovisual; logo a internet se estende ao uso social e individual, com o computador obsoletando a máquina de escrever, e o e-mail, as correspondências tradicionais pelos correios. Da carruagem, do ônibus a cavalos para os automóveis, os ônibus; dos bondes aos trens, do teco-teco ao supersônico...
O tempo na para, e o homem não para no tempo. Se o tempo é eternidade, o homem, nele, é transformação até ser nada. Este, o curso da locomotiva-vida no planeta Terra. Mas o que parece ir ficando evidente é que esta evolução do percurso deste trem da vida, conquanto operasse no seu tempo a ferramenta da mudança, vinha operando-a com certo palpável compasso. Não obstante veloz cada vez mais, havia uma sentida estabilidade de uma estação a outra.
Em sua primeira estrofe, o longo e extraordinário poema (quatro partes de oito quartetos cada uma) de João Cabral, “O alpendre no canavial”, trabalhando o olhar sobre a passagem do tempo naquele espaço campestre afirma: “Do alpendre sobre o canavial/ a vida se dá tão vazia/ que o tempo dali pode ser/ sentido: e na substância física.”
É certo que a civilização urbana, por um conjunto de fatores, implicaria pressa, todavia seu descontrole em escala desproporcional, cuja agudeza parece ser a única saída (que significa saída nenhuma), para este seu estágio internético imperial e discricionário, passou de desmedido. Nela a noite não se torna aurora, tampouco a manhã anoitece.
Já nas primeiras décadas do século passado o denominado Futurismo prenunciava, com mais retórica estética que factual, as tempestades sem fôlego em curso. O italiano Marinetti, literato, esteta, lança-o em 1909. No seu manifesto, composto por dez itens, afirma-se: “3. Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa (o grifo é meu), o êxtase e o sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto perigoso, a bofetada e o soco”.
Aqui no Brasil, o “Modernismo de 22” segue nessa pegada à sua maneira cordata quanto discordante. Mário de Andrade, seu líder maior, no “Prefácio Interessantíssimo” de sua “Pauliceia Desvairada” perora sobre isso, e o livro apresenta uma poesia de fato em consonância com a teoria. Bandeira, que não se envolveu com o movimento, acresce com sua poesia valioso contributo.
É curioso lembrar, nesse sentido, do seu “clássico” modernista “Trem de ferro”. Era já a urbanidade “desvairada” e sem tempo invadindo o campo com seu “canavial” visto “do alpendre”: “[...] Foge, bicho/ Foge, povo/ Passa ponte/ Passa poste/ Passa pasto/ Passa boi” “[...] Vou depressa/ Vou correndo/ Vou na toda/ Que só levo/Pouca gente/ Pouca gente/ Pouca gente...”
Na MPB, outra curiosidade é a canção de Alceu Valença/Acenso Ferreira “enterrada” por este tempo de vertiginosa “mais valia”: “Vou danado pra Catende”, em que o cancionista expressa uma carta a Telminha, pressupostamente, residindo em “Catende”, lugar de sua origem, caracterizando os “danos” da urgência vividos na metrópole onde peleja.
O ritmo que imprime Valença à canção é a mimetização da ebulição urbana: “Ai, Telminha/ Ouça essa carta/ Que eu não escrevi/ Por aqui/ Vai tudo bem/ Mas eu só penso/ Um dia em voltar // Ai, Telminha/ Veja a enrascada/ Que fui me meter/ Por aqui/ Tudo corre tão depressa/ Se você tropeça/ Não vai levantar [...] / As motocicletas / Se movimentando / Os dedos da moça Datilografando/ Numa engrenagem de pernas pro ar”. // Eu quero um trem/ Eu preciso de um trem/ Eu vou danado pra Catende/ Vou danado pra Catende/ Vou danado pra Catende/ Com vontade de chegar [...]”
Claro que deliberadamente se centrou aqui a questão na literatura e na música popular, embora sejam lugares mais específicos e procedimentos basicamente consequentes desse processo. Outro, dos muitos lugares, este basilar, cujos efeitos progressivamente vêm lhe causando uma corrosão que se enuncia uma tragédia irreversível, é a educação.
O aligeiramento da hora devasta-a. Além de ir perpetuando a ignorância endêmica, vai gerando, por conseguinte, profissionais em todas as áreas completamente sem preparo, o que aumenta o precipício da derrocada. Exemplo mais recente e assustador é a autorização do MEC às universidades para aligeirar a formação estrito senso. Mestres e doutores, cujo tempo de formação é de 24 a 48 e 36 a 60 meses, respectivamente, poderão ser formados bem mais rapidamente. Isso é, no mínimo, preocupante.
Tito Damazo é professor, doutor em Letras e poeta, membro da UBE (União Brasileira de Escritores) e membro da AAL (Academia Araçatubense de Letras)
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