Uma visão singular sobre a idade contemporânea é a da estetização do mundo. A busca por beleza, por harmonia, e convívio polido impregna a maior parte das pessoas sensíveis. Todavia, essa vontade instintiva de ver tudo mais bonito entra em conflito frontal com a realidade cotidiana. Crescimento da miséria e da exclusão. Destruição da natureza. Como dizem Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, “multiplicam-se, em toda parte, as tensões geradas por exigências sociais antinômicas. Tais contradições intraculturais tornam possíveis mudanças permanentes ao mesmo tempo que uma intensificação da dinâmica de individualização das escolhas, dos gostos dos comportamentos. Em troca, estamos fadados a uma existência cada vez mais reflexiva, problemática, conflitual em todas as suas dimensões, sejam íntimas, familiares ou profissionais”.
Não se consegue responder com a mínima convicção, de que a beleza será capaz de salvar o mundo. Até porque, a fealdade parece predominar em todas as áreas. Degradação do ambiente, degradação dos costumes. Um relativismo que a tudo valida, fruto de uma superfetação egoística e narcisista.
O paradoxo da universalização do discurso dos direitos humanos, de generalizada adesão, convive com a indignação diante das misérias e das injustiças. O fenômeno é notável por se desenvolver em uma era de preponderante fruição de valores individuais, aparentemente surdos ao exponencial agigantar-se das injustiças sociais.
Elas se aprofundam por força da corrupção, esse câncer que prospera em todos os espaços. Aproveitar-se de situações propícias para obter vantagens pessoais parece genético aos humanos. País campeão em normatização, o Brasil possui toda espécie de legislação para combater essa doença moral, que só tem sofrido mutação aperfeiçoadora para se estender por outros terrenos.
Aquilo que era exceção excepcionalíssima, parece medrar no espaço virtuoso do sistema Justiça. Quem já não ouviu dizer que o Judiciário era o menos corrupto dentre os poderes?
Agora surgem notícias preocupantes de que ela viceja, forte e desenvolta, nos Tribunais Superiores. As explicações oferecidas podem ser ponderáveis. Mas não escondem o fato de que algo existe e precisaria ser administrado com força e vontade.
O crescimento da litigiosidade traduz um estágio agônico das relações sociais. Porque o cumprimento das obrigações, honrar os compromissos, saldar seus débitos, deve ser o comportamento normal das pessoas sérias. Uma deturpação do conceito de Justiça, aqui vista como equipamento estatal encarregado de resolver controvérsias, levou a sociedade a considerar saudável levar seus desacertos para a máquina mais dispendiosa mantida pelo povo brasileiro.
A conclusão natural para um negócio é o acerto de contas entre os interessados. Transferir essa avença para um terceiro, supostamente neutral, mostra fissura de caráter dos contratantes. O diálogo respeitoso é a ferramenta mais eficiente para se chegar ao resultado legítimo, que considere os interesses de ambas as partes.
Os integrantes do sistema Justiça têm a obrigação de viver virtuosamente. Não é impossível, porque existem alguns que dão o exemplo. Este é que deve ser seguido, não o dos que já chafurdam na lama da corrupção.
José Renato Nalini é Reitor, docente de Pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)
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