O superendividamento de produtores rurais no Brasil pode ser ocasionado por uma combinação de fatores econômicos, climáticos e de gestão. A volatilidade dos preços das commodities agrícolas no mercado internacional e as oscilações cambiais podem reduzir drasticamente as margens de lucro, enquanto intempéries climáticas, como secas, enchentes e geadas, podem comprometer severamente a produção e causar a quebra de safra. Além disso, a falta de planejamento financeiro e de gestão eficiente, aliada à contratação excessiva de créditos com juros altos, sem a devida análise de capacidade de pagamento, agrava a situação. O acesso limitado a seguros agrícolas ou a instrumentos financeiros que mitiguem os riscos também contribui para o aumento do endividamento, especialmente em situações de crises sistêmicas, onde o socorro governamental pode ser insuficiente ou tardio.
Diante disso, é plenamente possível observar um processo gradativo e silencioso, mas que afeta diversas pessoas no Brasil e possui um risco severo de incapacitar especificamente o produtor rural de produzir: o superendividamento.
Diferentemente de uma indústria ou uma empresa de prestação de serviços, o produtor rural possui todo o seu ciclo produtivo vinculado à “terra a céu aberto”. Sendo certo que toda e qualquer obrigação que ele venha a constituir a título de custeio bancário para fomentar sua produção, ou eventualmente para investimento, terá como garantia ou a própria terra ou a produção futura.
Em outras palavras, o produtor rural trabalha e sempre trabalhou com dois institutos jurídicos de garantia muito fortes e benéficos ao credor: a hipoteca e o penhor rural.
Em condições normais, será evidente que, independentemente da garantia dada, o produtor rural sempre vai honrar suas obrigações. Mas e quando ele é impedido disso por uma intempérie climática, por exemplo? Como ficará o custeio rural diante de um incêndio no cafezal que dizimou inúmeros pés de café e reduziu de forma drástica a produção que seria utilizada para o pagamento das instituições financeiras?
É neste momento que, muitas vezes, imbuídos de boa-fé, os produtores rurais optam por renegociar suas obrigações, gerando um cenário de superendividamento e com uma intensa exposição de garantias de obrigações que, cada vez mais, podem se tornar impagáveis ou, no mínimo, ocasionarem um cenário em que o empresário rural basicamente trabalha para pagar o banco, e não para prosperar a si próprio e sua família.
Em casos extremos, o final deste processo gradativo de superendividamento leva ao leilão do imóvel rural e dos demais bens dados em garantia para suprir as obrigações financeiras inúmeras vezes renegociadas. O problema justamente é que, sem a terra, como o produtor rural voltará a produzir?
Diante dos impactos de uma quebra de safra, para proteger-se de tais riscos, e para que não aumentem seu comprometimento financeiro, existem algumas regras e às formas de proceder para que possam se beneficiar, sendo importante evidenciar que o crédito rural goza de previsão de encargos diferenciados, nos termos do que estabelece o Decreto-Lei n.º 167/67, bem como de uma série de outras particularidades, entre elas a possibilidade de prorrogação do débito, com base no Manual de Crédito Rural – MCR, desde que comprovada a dificuldade temporária para o reembolso do crédito tomado, em razão de dificuldade na comercialização do produto, frustração de safra e/ou em decorrência de outras adversidades prejudiciais ao desempenho da atividade rural, mas tal caso deve ser observado pelas instituições financeiras, tendo em vista de se tratar de norma cogente e, portanto, não sujeita à discricionariedade das instituições bancárias, de maneira que uma vez demonstrada adequadamente a necessidade e havendo interesse por parte do produtor rural, a dívida inicial deverá ser prorrogada, nos mesmos termos em que pactuada originalmente.
Em casos extremos, a medida da Recuperação Judicial (regulamentada pela Lei das Recuperações Judiciais e Falências – Lei nº 11.101/05) pode se tornar a mais adequada e necessária para a garantia das atividades do produtor rural. Inclusive, tal medida já está se tornando uma realidade no judiciário brasileiro, uma vez que, segundo pesquisas recentes, os pedidos de recuperação judicial para proprietários rurais que atuam como pessoas físicas saltaram 535% em 2023, especialmente com o objetivo de alongar custeios rurais diante das dificuldades financeiras enfrentadas cada vez mais em diversas regiões do Brasil.
Em suma, compreender as questões apresentadas e se preparar de forma estratégica em relação a potenciais crises coloca o produtor rural em patamar seguro e independente que, diante de uma crise, pode ser determinante para a continuidade de suas atividades com segurança e sustentabilidade, protegendo não só safras, maquinários e insumos, mas também garantindo a estabilidade de suas gerações futuras.
Guilherme Del Bianco é advogado, sócio diretor do escritório MVB Advogados, especialista em Gestão Jurídica da Empresa, em Negociação Estratégica, em Direito do Trabalho e em Direito Processual do Trabalho.
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