A criação de uma comissão temporária para analisar o Projeto de Lei nº 4/2025, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), provocou uma reação de preocupação em setores do Direito e de associações em todo o país. O projeto visa reformular o Código Civil, introduzindo alterações significativas que poderiam impactar os fundamentos da estrutura familiar brasileira, como casamento, união estável, filiação, adoção e direito sucessório.
Entre os pontos que geram maior controvérsia, está a criação do estado civil de "convivente", que reconheceria formalmente a união estável nos documentos, ao lado de solteiro, casado, divorciado e viúvo. Críticos, como a Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), argumentam que a medida pode levar a insegurança jurídica e potencializar litígios, citando o risco de atribuições indevidas de paternidade e obrigações de pensão após o fim do relacionamento.
Outra modificação proposta é a permissão de que o casamento seja celebrado sem as formalidades atuais, como testemunhas, proclamas, solenidade ou a presença física de um juiz de paz, abrindo a porta para a realização de casamentos virtuais. A ADFAS vê nessa mudança um risco de enfraquecimento da segurança jurídica do ato.
Além disso, o projeto endossa a formalização de uniões estáveis diretamente em cartório, sem a necessidade de intervenção judicial, procedimento já autorizado por um provimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2023. Especialistas alertam que essa equiparação entre casamento e união estável pode resultar em um aumento da judicialização de conflitos.
O texto de Pacheco propõe uma flexibilização nas regras de filiação socioafetiva e adoção. Atualmente, o reconhecimento de um filho socioafetivo exige uma decisão judicial. O PL, contudo, permitiria que esse reconhecimento fosse realizado diretamente em cartório mediante acordo, inclusive para maiores de idade.
Essa abertura facilitaria a multiparentalidade – a existência de mais de dois pais ou mães registrados na certidão – e, segundo a ADFAS, não estabelece impedimentos claros para o registro de filhos de arranjos poligâmicos (trisais). Da mesma forma, a proposta permite a adoção de maiores de idade por escritura pública em cartório, sem análise judicial. Para a entidade, essa dispensa de intervenção do Judiciário compromete a análise cautelosa necessária em processos de adoção.
O projeto também introduz o conceito de "família parental", que englobaria parentes que coabitam – sejam eles consanguíneos ou socioafetivos – formalizando-os em cartório e estabelecendo deveres legais de sustento e apoio mútuo. A ADFAS expressa receio de que essa nova categoria possa desencadear disputas por herança e gerar a cobrança de pensão entre parentes que hoje não possuem essa obrigação legal, além de poder abarcar arranjos poliafetivos.
No campo do Direito Sucessório, o texto prevê a permissão de herança testamentária para amantes, o que acende outro ponto de debate jurídico.
Em relação à reprodução assistida, o artigo proposto prevê o sigilo do doador de gametas, mantendo oculta a identidade do pai biológico, exceto em situações raras autorizadas judicialmente. Críticos da proposta alegam que essa regra viola o direito fundamental do filho de conhecer sua origem genética, defendendo um acesso pleno e incondicional à informação.
A comissão temporária do Senado terá oito meses para analisar a proposta. Após esse período, o projeto ainda terá que passar por outras comissões permanentes e ser votado em plenário, antes de seguir para a Câmara dos Deputados.
A jurista Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da ADFAS, manifestou que, se aprovado em sua forma atual, o texto pode "gerar insegurança jurídica, aumentar a judicialização de conflitos e fragilizar as bases tradicionais da família" no Brasil, indicando uma das maiores revisões da legislação civil desde 2002.