O projeto de novo Código Civil apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) abriu um debate intenso ao avançar no Senado. A proposta altera conceitos centrais sobre família e disciplina temas sensíveis como união estável, filiação socioafetiva, adoção e reprodução assistida.
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Entre as medidas mais controversas está a criação do estado civil "convivente", que formaliza a união estável em documentos e cadastros. Especialistas alertam que a mudança pode provocar efeitos práticos inesperados — por exemplo, manter um rótulo jurídico mesmo após o término da relação, o que pode gerar disputas sobre pensão e reconhecimento de paternidade.
Outra novidade é a previsão da "família parental", categoria que permitiria reconhecer, via cartório, deveres de sustento entre parentes que convivam. Críticos dizem que o conceito, como está redigido, corre o risco de ampliar obrigações entre colaterais (irmãos, tios, primos) e gerar litígios por patrimônio e pensões onde hoje não há obrigação legal.
O texto também facilita o reconhecimento de vínculos afetivos nos registros públicos: a multiparentalidade e a filiação socioafetiva poderiam ser formalizadas em escritura pública, sem decisão judicial. A proposta abre caminho para que uma pessoa conste oficialmente como filha de mais de dois adultos — inclusive em arranjos poliafetivos, segundo advertências de entidades jurídicas.
Adoções de maiores de idade, que hoje dependem de sentença, poderiam passar a ocorrer em cartório, com efeitos plenos sobre sobrenome e sucessão. Para críticos, a transferência dessa competência do Judiciário para os tabeliães aumenta o risco de insegurança jurídica e elimina a análise técnica que a adoção exige.
No campo da reprodução assistida, o projeto inclui dispositivo que preserva o anonimato do doador de gametas, com exceções dependentes de decisão judicial. Especialistas em direito de família apontam que isso pode comprometer o direito do nascido a conhecer a própria origem biológica, criando barreiras ao acesso de informações genéticas e patrimoniais.
A proposta segue agora para uma comissão temporária no Senado, com prazo de trabalho de oito meses. Se aprovado nessa etapa, o texto ainda terá de passar por comissões temáticas, votação em plenário e, posteriormente, pela Câmara dos Deputados — um caminho que pode levar meses e suscitar ampla judicialização e mobilização da sociedade civil.
Organizações especializadas em direito de família, como a Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), criticam o uso amplo da afetividade como critério jurídico. Segundo representantes, transformar afetos em fundamento exclusivo pode diluir fronteiras jurídicas necessárias para garantir segurança nas relações familiares e patrimoniais.
A ofensiva por mudanças profundas no Código Civil reacende debates sobre a função do Estado na regulação da intimidade e sobre o papel do cartório frente ao Judiciário. Advogados, juristas e movimentos sociais acompanham o desenrolar das discussões enquanto o texto tramita em Brasília.