ARTIGO

Minhas memórias com Rita Lee

Por Rubinho Vitti |
| Tempo de leitura: 3 min

As noites nem sempre eram fáceis na minha adolescência. Lembro do meu quarto ser meu refúgio particular e o céu minha válvula de escape. Pela janela, via a lua despontar devagarinho. Naquela noite, em especial, ela estava cheia.

Eu tinha por volta de 12 anos e era um fiel observador da noite-criança distraída. Na luz do luar, era possível ver a silhueta de morcegos, bailando comigo de um lado para o outro.

O quarto da minha irmã era vizinho ao meu. Durante minha melancólica distração noturna, a trilha sonora saía de sua janela e vinha como uma nuvem espessa chegando até meus ouvidos.

“Venha me beijar, meu doce vampiro… ououuuu… na luz do luar”. Uma voz serena, meio mística, meio soturna, cantava justamente a cena em que vivia naquele momento, como se um daqueles morcegos fosse se materializar em vampiro bem na minha frente.

A música não saiu da minha cabeça até eu adormecer. Na manhã seguinte, fiquei fissurado em descobrir quem cantava aquela canção. A partir dali, comecei a respirar Rita Lee!

Rita não era exatamente a popstar da minha geração. Naquele momento, inclusive, ela estava lançando o Acústico MTV, que fazia um apanhado de suas canções em mais de 30 anos de carreira. Mas com Rita Lee o vício nunca tem hora para começar.

Passei a frequentar lojas de CDs em busca de seus álbuns para entender quem afinal era a tal da Rita Lee -- um mistério, uma planeta, uma moda que passou?

Meu pai me dava uns trocados para gastar com lanche do intervalo na escola, mas ele nem deve imaginar que eu deixava de comer para ir guardando aquele dinheirinho que serviria para, no fim do mês, comprar um disco de Rita Lee.

Seguia para as lojas onde havia promoções de CDs. E fui achando, um a um, escutando faixa a faixa, enquanto lia as letras nos encartes.

Quando um álbum que eu ainda não tinha estava disponível apenas em lojas mais caras, eu aplicava um truquezinho básico. Comprava um CD qualquer na loja mais barata, embrulhava com papel de presente e ia lá na loja cara como se tivesse ganhado de aniversário e quisesse trocar.

Como no caso dos presentes não pediam nota fiscal, o CD que havia pago R$ 10 na loja X, valia R$ 25 na loja Y e dava certinho para trocar pelo disco da Rita Lee que lá estava disponível!

Ao mesmo tempo, fuçava os sebos em busca de revistas antigas que falassem sobre Rita Lee. Ficava horas e horas folheando as velhas O Cruzeiro, Veja, Manchete, entre outras muitas publicações dos anos 1970 e 1980.

Quando ia ao dentista ou ao médico, aproveitava aquelas revistas de salas de espera para ver se tinha algo. Se achasse alguma coisa, disfarçadamente arrancava a página sem fazer um pio. Dobrava, colocava no bolso e levava embora pra casa.

Quando os CDs apenas não bastavam mais, fui atrás dos LPs antigos. Mais uma vez, rato de sebo. Ia em todos da cidade, passava tardes no meio do pó, disco por disco, atrás de alguma raridade.

Nas bibliotecas, li praticamente todos os livros sobre a Tropicália (e roubei alguns, não nego) para entender melhor como Rita apareceu nessa história toda com Os Mutantes. E fui conhecendo mais de Caetano, Gil, Tom Zé… além dos horrores da ditadura militar, da censura e do autoritarismo.

Entre uma página de revista arrancada, um golpe nas lojas de CDs, enquanto minha barriga roncava no recreio da escola, ia conhecendo cada vez mais Rita Lee e, com ela, a história da música brasileira e do próprio Brasil.

Minha adolescência no fim dos 1990 e início dos 2000 foi assim. Enquanto meus amigos completavam álbuns de figurinhas de jogadores de futebol ou colecionavam jogos de videogame, eu ia enchendo minhas pastas com recortes de revistas e jornais e as prateleiras do meu quarto ficavam cada vez mais cheias com álbuns de Rita Lee.

Mal sabia eu que essa história estava apenas começando…

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