Carta para Miguelzinho Dutra

Por Rosângela Camolese | 16/09/2021 | Tempo de leitura: 3 min

Infelizmente, Miguelzinho, esta carta não traz boas notícias. Os que detém o poder na cidade querem desalojar a arte da sua casa, levando todo seu patrimônio para um dos barracões do Engenho Central, uma usina de açúcar desativada, construída seis anos depois da sua morte. E o motivo? Pasme, grande mestre: destinar o espaço para que a Polícia Federal adapte sua sede.
É inquestionável que a Polícia Federal muito nos honra e merece um espaço a sua altura. Porém, só a visão míope de quem talvez só tenha pisado na Pinacoteca em eventos sociais, pode determinar o fim de uma história. Um legado que você, sua família, seus seguidores e gerações de artistas deixaram para esta terra, à qual você tanto se dedicou, construindo, inclusive, uma igreja, a de Nossa Senhora da Boa Morte, onde, dizem alguns historiadores, repousam seus restos mortais.
Estamos tristes e estarrecidos com a esta situação. Tristes, Miguel, que esse talvez seja o fim de um legado de toda a classe artística que conheci profundamente ao longo de mais de três décadas como professora de artes. Esse local sagrado que é de instrução e contemplação, sempre disseminou as artes plásticas e participou da formação de gerações de artistas, que elevaram e elevam o nome da nossa cidade, dentro e fora do país, assim como você o fez.
Por este prédio majestoso, com localização privilegiada brilhantemente escolhida por Luciano Guidotti, de onde se avista o rio Piracicaba, também passaram milhares de alunos de escolas públicas. Em contato com as obras lá expostas, essas crianças e adolescentes foram tocadas e despertadas para as belas artes.
Sabe, mestre, hoje passei em frente à Capela do Passo do Senhor do Horto, na rua que se chama Prudente de Moraes. Uma homenagem ao seu colega republicano, que chegou ao posto de presidente do Brasil. Fiquei admirando aquela obra que você projetou e executou, em 1873, dois anos antes de partir para o plano espiritual. Fiz uma oração em silêncio e pedi, com toda minha fé, para que a Divina Providência indicasse uma opção negociada com toda a cidade e, ainda mais, com a recém constituída Região Metropolitana de Piracicaba e seus 24 municípios. Afinal, a Polícia Federal é matricial e metropolitana, merece as atenções e o prestígio das cidades às quais presta relevantes serviços.
Ao abraçar a Pinacoteca que leva seu nome, pude sentir que ela se expressa para além das suas paredes. Há uma magia na trilha que leva à escadaria, mesclando expectativa e encantamento. Sabemos que sua casa não pertence a partidos políticos, nem a governos. Ela é de propriedade, de fato e de direito, do povo piracicabano e isso ninguém pode lhes tirar. Quem o fizer, terá as mãos sujas, como aquelas que destruíram o majestoso Hotel Central, o Teatro Santo Estevão e os casarões que sucumbiram à exploração imobiliária.
Lutaremos, Miguelzinho, com convicção e bravura.
Ajude-nos, de onde estiver, inspire mentes e corações. Evite essa agressão à sua memória e à nossa história. Qualquer instituição que se estabeleça neste prédio, participará de uma ação não endossada pela classe artística e nem pela sociedade, promovendo danos irreparáveis à cultura piracicabana. Fica Miguelzinho, #ficapinacoteca!

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