Adeus ao sorriso de Madalena

Por Rosângela Camolese |
| Tempo de leitura: 3 min

Luiz Antonio Leite foi seu nome de batismo. Filho mais velho entre três irmãos. Sempre conviveu com a pobreza. Aos sete anos era levado pela mãe para ajudá-la nas faxinas. Morador do Bairro Alto onde na década de 1970 se instalavam circos, conheceu o dono do Circo de Roma, foi por ele convidado e aceitou seguir com a companhia trabalhando como cozinheira e babá. Àquela época já havia assumido sua sexualidade, usando os tamancos e os lenços que seriam sua marca registrada, sendo, por isso, maltratado pelo padrasto.

Assim começou a vida da nossa Madalena. Um ícone que a cidade não vai esquecer. Ela era só sorrisos e alegria por onde passava. Suas idas e vindas pela rua Governador eram memoráveis. “Motorista!!!” chamava, “lindo!!!”. Às vezes tentava, e outras conseguia, dar um beijo no rosto de um rapaz. Rindo e brincando, era cumprimentada por todos que conseguiam ver naquela figura esguia, elegante, com roupas brancas ou coloridas, sempre de tamancos, belos lenços na cabeça e uma grande bolsa, um ser humano que desejava dar e receber carinho. Claro, que também encontrava os ignorantes que não aceitavam a convivência daquele homem com alma de mulher.

Ela conta em entrevista que seu batismo como Madalena se deu quando tinha cerca de 18 anos e trabalhava numa república. Os estudantes decidiram que lhe dariam um nome feminino. Fizeram uma votação e Madalena foi o nome escolhido e acolhido. Sua fama de boa cozinheira a levou para casas de personalidades como o ex-prefeito João Herrmann Neto, onde ficou por muitos anos. Era 1988, quando convidada pelo João para ser candidata a vereadora, aceitou o desafio, mas não conseguiu se eleger.

Vida que segue, ela continuou como doméstica e, ao mesmo tempo, realizando um importante trabalho social junto à comunidade do Boa Esperança, onde morava. Em 2004, mais uma vez concorreu à vereança, chegando à suplência. Assumindo a liderança do bairro, tornou-se presidente do Centro Comunitário, trabalhando incansavelmente, em particular pelas crianças e adolescentes que todos os anos tinham uma grande festa com presentes e guloseimas. 

Finalmente, em 2012, venceu as eleições para a Câmara Municipal de Piracicaba com 3035 votos, fazendo história como a primeira transexual e negra a assumir tal posto. Um orgulho para o PSDB, à época seu partido. Por diversas vezes, Madalena esteve na Semactur e conversamos muito sobre homofobia, racismo e sua grande paixão, o Carnaval. Aliás, ela desfilava todos os anos na ala das baianas de todas as escolas que a aceitassem. Era uma festa!

Nesse meio tempo, Madalena contraiu um câncer que a afastou das atividades legislativas e das ruas, mas não da lembrança dos piracicabanos que, na manhã da última quarta-feira, acordaram estremecidos pela triste notícia do seu assassinato. Sim, uma pessoa que passou por aqui distribuindo sorrisos e ajudando ao próximo, vai-se de forma tão lamentável.

E nesses momentos surgem perguntas: quando foi que nossa sociedade se transformou nesta fábrica de monstros? Em que momento o ser humano se tornou tão desumano? Em que mentes e corações não fazem eco as palavras, as campanhas que correm o mundo contra a homofobia, contra o racismo? Que pessoa é essa tão sem fé e sem Deus, capaz de tanta crueldade?

Descanse em paz, Madalena!

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