A coragem de dizer não

Por Rosângela Camolese | 07/01/2021 | Tempo de leitura: 3 min

O ano novo começou um tanto quanto vazio para mim. Uma mistura de sentimentos próximos à insegurança e à incerteza. Algo que uma mãe sente, quando a filha de 16 anos se entrega, pura e inocente, a um galanteador aparentemente bem-intencionado, mas de cuja capacidade em prover sua guarda e seu sustento, pouco se sabe.

Não me refiro a uma filha biológica, mas àquela que adotei como filha e com quem dividi a minha vida pessoal e profissional. Como educadora, atuei para que a sua formação fosse eclética, respeitando a diversidade, os gêneros, os estilos e as preferências dos outros. Empenhei-me para que ela pudesse transitar em todos os meios sociais, dos mais humildes aos mais letrados, porque é assim que entendo, se cultiva a pluralidade e a democracia.

Quando a recebi, sabia que precisava de cuidados especiais e que, sozinha, talvez não fosse capaz de dar a ela, tudo o que era necessário para que se tornasse a bela moça que é hoje. Pedi ajuda, procurei especialistas, estudiosos e pessoas de alta sensibilidade para me aconselhar, para me orientar e para me ensinar o que eu ainda não sabia. E aí está ela! Linda, absoluta, reconhecida e amada. Mas meu coração de mãe está apertado, em conflito, torcendo para ela desabrochar ainda mais, mas também temendo pelo seu futuro. Mãe não é quem gera, mas quem cria e cuida. E essa é a mais cristalina verdade sobre os meus sentimentos em relação à Secretaria Municipal de Ação Cultural e Turismo, minha filha que hoje inicia uma nova fase em sua vida.

Tal analogia pode parecer excessivamente sentimentalista para alguns, afinal, podem pensar, “é apenas um pedaço da prefeitura que podemos entregar à iniciativa privada, porque seu custo é elevado”. Não! Definitivamente, não! A SemacTur não é isso. Ela é formada por pessoas, aliás, pessoas da mais apurada sensibilidade artística, e não pode, não merece e nem deve ser tratada como um “peso” para qualquer governo.

Soubemos acolher com respeito e dignidade a herança do governo popular do professor José Machado, que deu a ela uma sede ao lado do rio, porque não há símbolo mais forte, mais emblemático e mais dialético do que o rio para a nossa cultura, para a nossa história e memória. Melhoramos, aperfeiçoamos, restauramos, revitalizamos e ampliamos o seu uso e acesso, enfim, deixamos o “bom legado”, como bem menciona o ex-prefeito Barjas Negri.

Erramos sim, porque o erro é uma tentativa do acerto. Mas, se pudéssemos ilustrar a SemacTur de 31 de dezembro de 2004 e a mesma SemacTur em 31 de dezembro de 2020, não restaria dúvida, mesmo aos mais críticos, de que avançamos. E isso só foi possível, porque avançamos juntos, governo e sociedade, numa parceria que agora pode estar ameaçada por um “projeto sem projeto”. Espero estar equivocada e que as afirmações do novo prefeito tenham sido uma força de expressão, ou apenas uma fala desconectada da experiência administrativa, comum a quem propõe o diferente, a mudança.

Como secretária que fui, nesses 16 anos, só tenho a agradecer o aprendizado, a parceria e a compreensão dos que um dia, me ouviram dizer não. Quem gosta de ouvir não? Mas é preciso, acima da popularidade, ter responsabilidade, especialmente no trato da coisa pública, da “respública”. É assim que se constrói a história: vilão para alguns, herói para outros, mas passando pela vida com a certeza de que hoje, Piracicaba conhece melhor e valoriza mais a sua arte, o seu folclore, a sua cultura e as suas raízes.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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