Intimismo, rigor e lucidez

Por David Chagas |
| Tempo de leitura: 3 min

Chamo o leitor para um desafio: queria, de repente, convidá-lo a descobrir o que realmente se esconde por trás da escrita. De modo mais específico, que juntos encontrássemos, na sombra do livro, a palavra porventura adormecida. Conseguiremos desencanta-la fazendo dela a senha da vida?

No instante em que o convido, leio poemas de Louise Glück, prêmio Nobel de Literatura deste ano, tempo marcado por angústia e medo. Que venha estar comigo para que descubramos a verdade que um bom poema guarda?

Antes de cometer este atrevimento, falei com Iara Sílvia, uma de minhas irmãs. Ao correr da conversa declamei um dos poemas da poetisa premiada. Ao final, suspirou: - “Meu Deus! De quem é? Ouviu-me em resposta: - De Louise Glück, Nobel de Literatura.

Daí a ideia: convidar o leitor para tanto!

Sem nenhuma publicação em português, é possível encontrar seus poemas graças à boa vontade de um e outro tradutor que, encantado com a qualidade de sua obra, soube traduzir alguns de seus poemas.

Leio o que tenho em mãos festejando a premiação. Bom saber que esta nova-iorquina, professora universitária, aos 77 anos, neta de húngaros, de origem judaica, segundo Michael Schimidt, seu companheiro de trabalho na editora Carcanet, em depoimento ao The Guardian, afirma ser ela “um ser humano engajado na língua e no mundo, não uma voz para qualquer causa. Não é polêmica, e talvez seja isso que está sendo celebrado. Não é pessoa tentando nos persuadir sobre nada, mas nos ajudando a explorar o mundo em que vivemos. É uma poeta esclarecedora. Não parece haver muito engajamento político em seus poemas. São realmente sobre o ser humano individual, vivo, no mundo e na língua”.

Percorrendo os textos descubro sua “voz poética inconfundível que, com beleza austera, torna universal a existência individual”, segundo afirmou uma das vozes da Academia Sueca ao anunciar a premiação.

Que conforto moral me traz envolver-me de seus poemas. Metido em assuntos de tão pouco interesse, mergulhado em situações políticas que, reconheço, pouco ou nada têm a ver comigo, mas provocam este sonho incontrolável de mudar o mundo, ainda que seja o meu, pequeno sim, mas intolerante a injustiças, desrespeitos a direitos fundamentais, grosserias praticadas sobretudo no poder, tive, nos poemas que estou lendo aqui e desejo repartir com o leitor o desejo de busca-los para que os leia, também, temáticas dela que nos interessam a todos: a infância, a vida familiar, o confronto entre ilusão e realidade.

Enquanto aguardo a resposta do leitor, generoso comigo a ponto de estranhar alguma vez a minha ausência, involuntária, esteja certo, porque gosto de estar a seu lado, mergulho fundo nos poucos poemas que tenho de tantas obras da poetisa e sou grato por ter encontrado neles o ponto em que me foi possível aquietar o espírito por horas a fio reconhecendo na escrita sinais de sua própria vida, fato que, segundo a crítica, jamais negou, sem fazer dela poetisa confessional já que em tudo revela aspiração ao universal.

Devota a temas que me rondam tanto, dor emocional, recuperação, solidão, autoconhecimento, a autora, conhecida “por obra marcada pela precisão e pela economia a fazer contraste com seu tom confessional, cria estranho distanciamento subjetivo”, segundo o poeta, músico, tradutor e professor Pedro Gonzaga.

Ao referir-se a Deus, num de seus poemas, chamando-o Pai Inalcançável, dá-nos lição incontestável ao versar sobre a razão que nos leva a ser como somos, sem ter jamais alcançado o motivo primeiro da expulsão do paraíso, por não entendê-la.

Não pensamos em Deus, afirma. Desde sempre, nosso dever é adorá-lo ignorando que importante seria pensar nele.

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