A pátria

Por José Faganello | 07/10/2020 | Tempo de leitura: 3 min

“A pátria é a família amplificada” (Rui Barbosa)

Para quem possui algum conhecimento da História é sabido que a ambição humana sempre foi insaciável. Mesmo quando, deslocar-se de um lugar para outro com grandes contingentes, era dificílimo, o desejo de conquista vencia qualquer dificuldade. As pesadas baixas que estas aventuras provocavam não eram levadas em conta. Vejamos este texto de um escriba egípcio: “Eu te contarei ainda a sorte do oficial de infantaria. Levam-no ainda criança e encerram-no na caserna. Logo, o seu ventre estará todo gretado, os seus supercílios fendidos e sua cabeça uma chaga; estendem-no e espancam-no como um papiro. Quer que te conte a sua campanha na Síria, as expedições a países longínquos? Leva víveres e água no ombro como a carga de um burro; a sua espinha se dobra. Bebe água podre. Deve montar guarda com freqüência. Chega diante do inimigo, é um pássaro que treme. Volta ao Egito como um velho pedaço de pau roído pelos vermes. Vi a violência! Eis porque te inclino para as letras, do que, desde a infância deves procurar tirar proveito: esse ( o homem de letras) é honrado”.

Não sabemos se o antigo escriba conseguiu convencer o filho a estudar, a mesma luta de muitos pais atuais. Sabemos, no entanto, que para saciar a ambição de muitos governantes, bilhões de jovens submeteram-se a insanos treinamentos militares e encetaram longínquas campanhas de conquistas. Se conseguirem preservar os corpos nas batalhas, com certeza não terão preservado intacto o psiquismo - voltavam verdadeiros farrapos humanos, cheios de traumas incuráveis.

Rui, no entanto, entendia diferente. Deixou-nos em admirável texto o que entendia por pátria: “A pátria é a família amplificada. E a família, divinamente constituída, tem elementos orgânicos: a honra, a disciplina, a fidelidade, a bem-querança, o sacrifício. É uma harmonia instintiva de vontades, uma desestudada permuta de abnegações, um tecido vivente de almas entrelaçadas. Multiplicai as células e tendes o organismo. Multiplicai a família e tereis a pátria. Sempre o mesmo plasma, a mesma substância nervosa, a mesma circulação sangüínea. Os homens não inventaram, antes adulteraram a fraternidade (…). Ainda entre as nações independentes, soberanas, o dever dos deveres está em respeitar nas outras os direitos da nossa (…). A pátria não é um sistema, nem uma seita, nem um monopólio, nem uma forma de governo: é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade”.

Ambiciosos conquistadores ameaçavam com armas e soldados, quando não destruíram as pátrias de outros, no passado. Hoje a destruição está sendo mais rápida e de maneira imperceptível. O céu está repleto de satélites espiões ou transmissores de cultura alienígena. O solo, como o subsolo tem suas riquezas manipuladas pelo mercado oligopolizado; o povo, paulatinamente, perde sua identidade e se vê como joguete de interesses externos; a tradição desaparece com uma velocidade alucinante; a consciência alienia-se e perde parâmetros; o lar se desfaz, pois o berço dos filhos não possui mais um lar; o túmulo dos antepassados está despojado de qualquer valor histórico; a lei excomunga os desvalidos e privilegia os que detêm o poder; o idioma desaparece; a liberdade torna-se uma utopia.

Segundo Rui, os que servem a pátria são os que não desalentam; os que não emudecem; os que não se acovardam, mas resistem, mas ensinam, mas esforçam, mas pacificam, mas praticam a justiça. São cada vez menos. Lutam quixotescamente contra um porvir que já se faz presente.

Neste momento, em nossa pátria estamos tomando conhecimento de que aqueles que deveriam administrá-la com amor e seriedade, se locupletaram com roubos incalculáveis.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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