A cultura do (não) isolamento

Por Rosângela Camolese | 07/05/2020 | Tempo de leitura: 2 min

Isolar-se ou praticar o distanciamento social, tão necessário em tempos de pandemia, é um ato que exige nervos e sentimentos de ferro. É uma prova de fogo para crianças, jovens, adultos e anciões.

Quando estamos ocupados com as atribuições do trabalho, estudos, vida social, lazer e relacionamentos, tudo ao mesmo tempo, nesse imbróglio da vida moderna, é difícil ter um tempo para divagar pensamentos, desempenhar atitudes mais leves, ou mesmo, perceber que a rotina é necessária e o quanto somos frágeis à sua ausência. De repente, o mundo parou, e o que era para nos causar certa pausa, nos causou agitação, pânico e um não-saber lidar quase absoluto.

Infelizmente, grande parte da população mundial não pode aderir às orientações médicas do afastamento, ou por desempenhar funções essenciais – nas áreas de saúde, alimentação, manutenção, limpeza, segurança, etc. -, ou por não ter garantidas as necessidades básicas enquanto indivíduo – renda, saúde, alimentação, acomodação, lazer. De forma urgente, muitos se unem para que essas garantias sejam colocadas em prática, seja papel dos agentes políticos, seja uma contrapartida social das instituições privadas.

E, diante daqueles que podem, precisam e devem exercer o distanciamento social, sobretudo em respeito e consideração aos demais, vem à mente o seguinte questionamento: excluindo as necessidades básicas à sobrevivência – fisiologia e segurança, segundo a hierarquia de necessidades de Maslow –, por que é tão difícil permanecer longe do convívio social? O querer aninhar-se é também cultural. Desde a idade da Pedra – quando a sobrevivência e evolução das espécies exigiam não somente mutações genéticas, os humanos já demonstravam, por meio de pinturas, a comunicação entre seus pares. Era fundamental à sobrevivência, o estar em grupo, era instintivo para a perpetuação, garantia de segurança, demarcava território. Havia necessidade de comunicação, registro, atenção e, porque não, intenção no ócio criativo? A partir de então, as culturas se desenvolveram por meio da união de pessoas e de suas manifestações culturais.

O povo brasileiro é, notoriamente, mais caloroso e afetivo que grande parte da população mundial. Em outros países, não é prática comum as pessoas sentirem tamanha necessidade do toque no ombro, dos dois ou três beijinhos ao cumprimentar, do tapinha nas costas. Lá fora, como dizem, isso seria praticamente uma afronta à intimidade alheia ou até mesmo um assédio, dependendo do país ou da cultura que praticam. É a cultura de querer estar perto, de sentir desejo em confraternizar, se expressar, um anseio de estar próximo em situações do cotidiano, como frequentar uma fila quase encostados uns aos outros - o afago (instintivo e coletivo) que tanto nos é indeclinável.

A cultura e o desejo de estar em grupo são latentes em nós, desde os primórdios e cada vez mais importantes para nossa saúde mental. Porém, para que tenhamos possibilidades de exercer nossas preferências e seguir evoluindo precisamos, primeiro, sobreviver. E o momento clama por distanciamento físico. Com toda certeza vamos alcançar muitos aprendizados nesse período e, pelo acaso do destino ou interesse global, evoluiremos como seres culturalmente providos e complexos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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