Você daria sua vida?

Por Rubinho Vitti | 17/04/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Dias desses eu li um artigo no jornal britânico Daily Mail sobre Suzanne Hoylaerts, uma mulher belga de 90 anos que estava hospitalizada, sofrendo com problemas respiratórios por conta do novo coronavírus. Ela recusou que o hospital lhe desse um aparelho ventilador pulmonar, pois sabia que estava em falta no país. “Eu não quero usar respiração artificial. Guarde isso para um paciente jovem. Eu já tive uma vida boa”. Ela morreu dois dias depois, em 22 de março. Sua filha não pôde dizer adeus e nem ir ao funeral. Nem mesmo sabia como a mãe havia contraído a doença já que não saía de casa.

A Bélgica, o pequeno país de 11 milhões de habitantes, é um dos que mais sofre com a pandemia na Europa. São mais de 34.800 casos do contágio pelo Covid-19 e quase 5 mil mortes. Entre elas, Suzanne.

Suzanne nem conhecia o outro paciente que poderia utilizar o aparelho mecânico que recusara. Mesmo assim recusou. Fiquei pensando nela por tanto tempo. Não merecia esse final trágico. Acredito que alguém com o pensamento de Suzanne deve ter feito o bem para muita gente em suas nove décadas de existência.

Falo de Suzanne quando vemos pessoas não levando a pandemia do Covid-19 a sério. Ela pode ter contraído a doença de várias formas, por alguém infectado, por exemplo, que tocou em algo que acabou tocando-a.

Por esse medo do contágio entre os idosos, no mundo todo há famílias que estão há semanas sem se ver. Velhinhos sozinhos tendo contato com filhos e netos por meio do vidro de suas janelas ou celebrando aniversários isolados.

Ao mesmo tempo, a falta de respeito também existe no pensamento de quem fura o isolamento social. “Eu vou só ali na casa do meu amigo”. “Ah, e daí fazer uma festinha aqui em casa?”. E muitos que pensam assim são jovens, que acham que não vão sofrer ou morrer com a doença, mas seu egoísmo cínico pode acabar assassinando alguém.

Ficar isolado é chato, entediante, monótono. Mas é uma forma de viver pelo outro. Eu disse viver. Você tem a chance de não espalhar o vírus ficando em casa. É um sacrifício tão grande assim? Maior que a morte? Será que esses jovens morreriam por alguém? Não, não acredito que tenham um quinto da coragem e dignidade de Suzanne.

Recebi enojado um vídeo do novo ministro da Saúde brasileiro, Nelson Teich, que aparece questionando: entre uma pessoa mais idosa, que tem uma doença crônica, ou um adolescente, “que tem a vida pela frente”, em quem você investiria? Sim, ele usa o verbo investir. Não é curar, salvar, tratar. É investir, como se fosse trocar um carro ou um celular.

No fundo, a pergunta é: você pagaria para curar esse velho, que já não produz, ou gastaria em um jovem, cheio de disposição para servir como mão de obra de trabalho e trazer lucro?

Eles já sabem a resposta. Eles sabem em quem eles vão investir. Porque eles são canalhas. E um canalha, por mais que tente dizer o contrário, não dá a vida por ninguém, nem pelo seu país.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.