Ideias

Dona Abobrinha e o medinho que virou Doutor

Por Hélcio CostaJornalista e diretor da empresa Matéria Consultoria & Mídia | 31/10/2020 | Tempo de leitura: 2 min

Meu pai era médico. Eu, nunca quis ser...

Médico, para mim, quando criança, era não ter meu pai para jogar futebol no quintal, passar as férias sem ele e retirar as malas do carro, emburrado, adiando, para nunca mais, a viagem da família em razão de uma emergência.

Médico, eu? Nunca...

"Quero um emprego que, na sexta-feira, coloque um aviso na porta: volto na segunda", disse a meu pai.

Anos mais tarde, após perder muitos aniversários, Dia dos Pais, Dia das Mães, chegar atraso nas ceias de Natal por culpa de plantões intermináveis no jornal, meu pai me disse: "Não era você que ia trabalhar menos?" Lembrei de Humphrey Bogart ao explicar porque, afinal, escolhera Casablanca para abrir o Rick's Café. "Vim por causa das águas", disse. "Mas Casablanca é deserto", respondeu o interlocutor. "Fui mal informado", respondeu Bogart, na pele de Rick Blaine. Repeti a piada. "Além disso, fui educado por um workaholic", acrescentei. Meu pai riu. Sabia que era verdade. Ele saía de casa escuro ainda para passar revista no hospital, iniciando uma jornada que só ia acabar lá pelas 10 da noite, no consultório. Final de semana? Era comum tratar de crianças em casa, ir aos bairros visitar pacientes. Alguns, sem ter como pagar, retribuíam a visita com o que tinham: pés de couve, um bolo, um muito obrigado. "Dona abobrinha" levava uma cesta de verdura em casa. Meu pai explicava: "Filho, cada um paga como pode." Criança, perguntei: então, porque cobrar? "Não cobrar é uma afronta. Todo mundo tem a sua dignidade e a gente tem que tratar todo mundo igual", respondeu. Todo mundo é igual. Isso nunca saiu da minha cabeça. É minha pedra basilar. Até hoje encontro gente que me diz: seu pai salvou meu filho.

Eu nunca quis ser médico, sou feliz como jornalista.

Mas tenho no meu pai, no Doutor, como eu o chamava, um dos raros heróis que reconheço na vida. Não herdei dele a paixão pela Medicina, mas herdei outras: pelo trabalho, família, futebol, livros. Aprendi que todo mundo é igual, mesmo sendo, todos, quase sempre, diferentes. Obrigado, Doutor..

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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