Vivacità

Luz à liberdade: o drama da maternidade atrás das grades

Por Xandu Alves | 09/12/2021 | Tempo de leitura: 8 min

Os raios de sol lançam sombras quadriculadas no chão do pátio interno de ala da Penitenciária Feminina 2 de Tremembé, no Vale do Paraíba. Numa quarta-feira ensolarada de dezembro é preciso atenção para notá-las.

São traços sutis no chão duro de concreto, desenhados abaixo da tela de segurança e dos varais e das roupas penduradas. Parecem rabiscos infantis entre celas e grades de ferro.

O céu azul é vislumbre de liberdade para as mulheres que estão ali. Efemeridade. Ilusão e esperança se misturam.

Mulher presa pensa em liberdade a todo instante. Mais até do que em si mesma. A palavra ganha nova dimensão. Vira adubo de sonho, de vida nova. Arrependimento. Contrição. Expiação.

Trovões estouram ao longe e vem a chuva fina. Minutos depois, o sol volta a brilhar. Mudanças sem nada mudar. Liberdade em brisa, em gotas.

Vivacitá foi ao cárcere conhecer a rotina das mulheres.

VALOR

Maria (*), 32 anos, me diz que liberdade é tudo. Conta que reclamava muito das coisas quando estava na rua, mas só até chegar à prisão, há quase um ano.

“Estou separada de tudo. Aqui só tem isso. Damos valor às coisas bobas, como atravessar a rua. Coisa que nem imagina que não faz falta, aqui faz.”

Liberdade é o que faz falta. Sem que se saiba.

Desempregada e mãe de duas crianças pequenas, ela aceitou praticar golpes com cartões de crédito para sustentar os filhos. Vivia no Litoral Norte quando foi presa.

“Meu processo é de 10 anos e a juíza me deu o semiaberto. Vim para ficar dois anos. Saí na saidinha, descobri que estava grávida e fui para o fechado. A bebê nasceu e estou contando o tempo para ir embora. Peguei 15 anos e tenho direito ao semiaberto. Também estou tentando a prisão domiciliar por causa da minha filha.”

Com a pequenina de dois meses no colo, com quem ficará apenas seis meses, Maria diz que havia mudado de vida quando a mão pesada da justiça a acertou em cheio.

“Já tinha mudado de vida, estava trabalhando registrada e não entendo porque fui presa depois de 10 anos. Um dia Deus vai me explicar. Prisão foi um susto na minha vida.”

Se a vida de mulher se desfaz na cadeia, imagine a de mãe de recém-nascida.

“Não desejo nem para meu inimigo esses sete meses que estou aqui, ainda mais agora com a bebê. Tenho que me virar com pouco espaço na cela, não tem lugar para andar. Ela fica chorando.”

Admitindo estar arrependida, Maria diz que vai usar o próprio exemplo para conscientizar os filhos mais velhos e mantê-los no bom caminho, que ela sabe ser difícil.

“Meu sonho é sair e voltar ao trabalho. Gostaria de ver meus filhos estudados e nunca ver no caminho ruim. O que fiz peço que eles não façam. Não compensa o crime. Na hora parece legal pegar dinheiro. E depois? É melhor do pouco honesto do que muito de dinheiro sujo que não dá para nada, e não compensa mesmo.”

DROGAS

O pátio com 12 celas é diferente de todo o restante da penitenciária feminina. As celas têm grades, há normas e a disciplina é a mesma, mas as detentas que vivem ali não estão sozinhas. Algumas delas têm a companhia de bebês e outras estão prestes a dar à luz.

O espaço tem cadeiras para amamentação, uma mesa e televisão. As celas contam com cama, berço e chuveiro quente. Ao lado do pátio, um espaço para amamentação e cuidado das crianças. As paredes são pintadas em tom de verde, com contrastes de tonalidades mais escuras e papel de parede com animais da selva.

Quem está ali é Cláudia (*), 31 anos. Ela estava sem dinheiro, desempregada, grávida e com três filhos para criar. Morava numa cidade de Minas Gerais. Na fila da lotérica para receber benefício do governo federal, um conhecido fez a proposta que mudaria sua vida para sempre.

“Ele me ofereceu o serviço de ir buscar droga e aceitei. Precisava do dinheiro. Deveria ter tentado outra coisa. Não tinha alternativa, mas agora não faria de novo. Sempre trabalhei.”

Foi presa por tráfico na Via Dutra logo após passar pelo pedágio de Moreira César, em março deste ano. Nunca mais tocou nos filhos. Só os vê por foto. Na prisão, acalenta-se com a filha de dois meses. Chora ao se lembrar da família.

“Pior momento é ficar longe dos meus filhos. Ela é a quinta filha. Não vi mais nenhum dos meus filhos. Um dia consegui visita de vídeo da minha família, e vi que a minha filha está muito diferente.”

Liberdade é notar as mudanças. Mesmo invisíveis.

Cláudia foi condenada a cinco anos de prisão e, por ser ré primária, seu advogado tentar reverter o processo para ela sair antes. Espera deixar a prisão em 2022.

Ela diz ter aprendido muita coisa no cárcere, mas especialmente não cair no erro novamento.

“Pensamento é de que não compensa. Temos que passar a dificuldade com o pouco que tiver. Dói ficar longe dos meus filhos (chora). Faz falta o final de semana com eles, que nem conhece a irmã. A mulher sofre demais mais quando está presa.”

Se uma jovem a procurar pedindo conselhos, ela dirá: “Não faça errado”. E completará: “A pior coisa é ficar longe dos que se amam. Não tenho visita, estou sozinha”.

Segundo especialistas, mães presas sofrem mais do que outras mulheres: a separação da família, a gestação entre as grades, o nascimento e a separação dos bebês. Um calvário que vai da alegria do parto à desilusão da distância.

A lei determina que a presa fique com o bebê até os seis meses, para a amamentação. Depois disso, a criança é entregue para custódia provisória de familiares ou para abrigo pelo Estado.

AMOR BANDIDO

O Vale do Paraíba tem três unidades prisionais para mulheres, sendo duas em Tremembé e uma em São José dos Campos. Juntas, elas têm capacidade para abrigar 1.553 mulheres e tinha em 3 de dezembro 1.187 ocupantes, incluindo as alas de progressão penitenciária.

De acordo com dirigentes do sistema prisional, a maior parte das mulheres está presa por tráfico. Muitas delas foram detidas levando drogas para maridos ou companheiros também encarcerados.

Beatriz (*), 28 anos, conheceu um rapaz há dois anos e começou a namorar. Ela o visitava num presídio e mudou-se para a cidade para ficar mais perto do amor. Até que o pedido foi feito, mas não o de casamento.

“Tentei entrar com droga dentro do presídio e fui presa na portaria. Tive prisão domiciliar e, depois de dois anos, foi revogada. Outro mandado expedido e me entreguei depois de ficar foragida por um tempo. Estou há 45 dias em Tremembé. Fui condenada a sete anos.”

Mãe de três filhos, o quarto nascerá em janeiro na prisão. Ela está grávida de sete meses. Com o bebê ela espera obter a liberdade.

“Quero sair daqui e conquistar tudo de novo. Quero retomar o estudo, trabalho e outras coisas, não voltar mais para esse lugar. Aprendi a não fazer nada de errado, a trabalhar, dar valor à família e a Deus.”

Com lágrimas nos olhos, ela conta que os filhos de 7, 8 e 11 anos não sabem que a mãe está presa. “Pensam que estou viajando. É o mais doloroso isso para mim.”

Para Beatriz, a liberdade não tem preço. “Não vejo a hora de conquistar a minha e sair desse lugar. Agora estou com outro pensamento. Estou tirando uma lição de vida”.

Pergunto a ela em que se apegou no cárcere. Ela diz que em Deus e cita Matheus 7,7 como a passagem bíblica preferida: “Peçam, e será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta será aberta”.

“Tudo o que pedir a Deus com fé ele escuta. Meu sonho é conquistar minha família inteira de novo, minha profissão, trabalhar, criar meus filho e ser feliz. Esquecer tudo isso que passou. Quero fazer pedagogia e ser professora.”

Liberdade é sonhar. E poder realizar.

Acariciando o barrigão, Beatriz não tem contato com os pais ou familiares, apenas com uma irmã. Ela diz que o reencontro com os filhos será o segundo dia mais feliz da vida, depois do nascimento deles.

“Estou me preparando para o preconceito, meus familiares não falam comigo. Estou pensando mais em sair daqui e conquistar as coisas, o trabalho, meus filhos.”

SEPARAÇÃO

Ser mulher, mãe e encarcerada é um dos desafios para se manter a sanidade. Antes até da liberdade.

O psicólogo Thiago Luis da Silva, que atua com presas grávidas na Penitenciária Feminina 2 de Tremembé, explica que um dos momentos mais delicados é quando a parturiente tem que ser separada do bebê, aos seis meses.

Segundo ele, as grávidas são acompanhadas individual e coletivamente, em grupos de reflexão, e até mesmo depois da separação das crianças, para uma readaptação de volta ao pavilhão geral da unidade.

“A separação do filho, nessa circunstância, é difícil e carregada de muito sofrimento. Fazemos um trabalho em grupo e individual, alinhado a outros profissionais, para que elas tenham consciência desse momento de separação e que possam minimizar os efeitos emocionais. Dependendo do caso, a mulher pode desenvolver uma patologia.”

GRAVIDEZ

Segundo a enfermeira Lygia Maria Alvarenga Toledo, diretora do Centro de Reintegração e Assistência à Saúde na Penitenciária Feminina 2 de Tremembé, muitas mulheres chegam à unidade sem saber que estão grávidas, o que torna a vida delas mais difícil na prisão e exige um atendimento diferenciado.

“Muitas vezes [a mulher] não tem ideia de que está grávida. Usuárias de crack não menstruam e costumam ter relação sexual desprotegida, e às vezes chegam grávidas [à penitenciária]”, diz Lygia.

“As presas podem engravidar na saidinha também, mas muitas optam por não engravidar nesse período de recolhimento.”

Segundo Lygia, as grávidas são acompanhadas desde o início e, quando entram no oitavo mês de gestação, vão para uma ala específica na penitenciária.

Liberdade é gerar uma vida. Com consciência.

(*) nome das mulheres presas foi trocado para preservar a identidade

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