Nazismo

Vale do Paraíba abrigou campos de concentração na Segunda Guerra

Prisioneiros foram capturados de embarcações alemãs e levados para Guaratinguetá e Pindamonhangaba; partidas de futebol eram lazer e meio de sustento das famílias

Por Xandu Alves | 11/02/2022 | Tempo de leitura: 4 min

Visita. Escola de Especialistas de Aeronáutica em Guaratinguetá
Visita. Escola de Especialistas de Aeronáutica em Guaratinguetá

A história secreta.

Não há nos livros didáticos de História do Brasil o episódio dos campos de concentração que existiram no país durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45).

Esse período jamais foi incluído nos livros porque, até 1996, era considerado secreto pelo governo. Os arquivos oficiais foram lacrados por 50 anos, prazo que caiu para três décadas em 1988.

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Durante a Segunda Guerra, o Brasil manteve 31 campos de concentração para prender os cidadãos de países do Eixo, a coligação formada por Itália, Japão e Alemanha.

“Essa é uma história que está para ser escrita e foi omitida por ser inoportuna. Esses arquivos revelam os carrascos de uma fase desagradável da história política brasileira”, aponta Maria Luiza Tucci Carneiro, professora da USP (Universidade de São Paulo) e especialista em racismo e antissemitismo.

A partir de 1942, cerca de 3.000 pessoas desses três países foram mantidas em campos de concentração criados em sete estados brasileiros.

Em São Paulo, foram criados campos de concentração nas cidades de Bauru, Ribeirão Preto, Pirassununga, Guaratinguetá e Pindamonhangaba.

Os demais foram desativados e ficaram apenas os campos no Vale do Paraíba, que receberam prisioneiros alemães.

Em Pinda, o local escolhido foi o antigo Haras, depois Instituto de Zootecnia. Guaratinguetá sediou o campo de concentração no local onde mais tarde se instalaria a Escola de Especialistas da Aeronáutica.

NAVIO

Os prisioneiros no Vale eram tripulantes de navios alemãs capturados nas costas brasileiras. Uma dessas embarcações, o Windhuk, chegou ao Porto de Santos disfarçada de navio japonês, porque estava sendo perseguida pelos ingleses.

O navio era uma embarcação turística, mas também coletava mercadorias. Quando a guerra estourou, a embarcação estava no continente africano recebendo carga de frutas e não tinha como voltar para a Alemanha. Então, o capitão decidiu fugir para o Brasil e o navio foi apreendido e seus 244 ocupantes, presos.

O jornalista Camões Filho, de Taubaté, conta em seu livro ‘O Canto do Vento’ que os campos de concentração sediados no Vale eram vigiados 24 horas por dia e os prisioneiros trabalhavam na lavoura e cuidando dos animais. Os produtos eram usados em sua própria subsistência. De acordo com Camões, o campo de Guará era mais rígido que o de Pinda.

“Os prisioneiros tentaram uma fuga e os policiais capturaram os alemães, que foram colocados no pátio de joelhos e pelados, com o aviso de que seriam metralhados se alguém se levantasse”, explicou o autor do livro.

As duras regras eram amenizadas durante as partidas de futebol contra times amadores de Pinda, realizadas sempre aos domingos -- única oportunidade de lazer dos prisioneiros dos países do Eixo.

“Quando tinham os jogos os prisioneiros vendiam pães, bolos e salgados. Com o dinheiro eles compravam suas coisas”, disse Camões.

Relatos de outros livros informam que o campo de concentração de Guaratinguetá não tratava tão bem os prisioneiros, que eram obrigados a trabalhar no campo. A rotina era acordar cedo, pegar enxada e picareta e dar duro. Cada prisioneiro levava um número nas costas.

ENCONTRO

Toninho Hinz, filho do ex-prisioneiro alemão Aloisius Hinz, do campo de Pinda, conta no livro de Camões que seu pai reencontrou sua avó 30 anos depois de serem separados pela Guerra. O filho intermediou o encontro após ouvir seu sobrenome em uma rádio de Munster, cidade natal de seu pai na Alemanhã.

“Minha avó pensava que meu pai tinha morrido na Guerra. O reencontro, coberto de emoção, aconteceu no aeroporto de Hannover, onde as pessoas pararam para assistir a cena”, descreveu Hinz ao autor do livro.

Um ex-prisoneiro do navio inaugurou em 1948 um bar em São Paulo, com o nome de Winduk. O lugar funciona como um restaurante e é comandado pelo empresário Francisco Krieger, de ascendência alemã. Todo dia 7 de dezembro ele faz um evento no local que homenageia a data de chegada da embarcação ao Brasil.

ATRAÇÃO

A maioria dos tripulantes do navio Windhuk estava na faixa dos 20 anos. Uma prisioneira chegou a dar à luz um filho no campo de Pindamonhangaba.

Segundo ela narra em livros, os tripulantes não se revoltaram com a prisão nem pensavam em rebeliões ou fugas.

Em Pinda, aos domingos, os tripulantes recebiam a visita de moradores da cidade. O campo era a principal atração do município.

Os presos podiam fazer compras na cidade e eram acompanhados de soldados armados de fuzis, mas que acabavam por relaxar a pena e se uniam aos prisioneiros em confraternizações regadas a cerveja.

Somente em uma oportunidade, os prisioneiros se rebelaram e tentaram fugir, e acabaram na cadeia pública.

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