Enquanto o prefeito Felicio Ramuth insiste na novela do “vou ou fico”, encenada com Gilberto Kassab, na vida real a campanha do PSD ao governo do Estado começa a tomar forma. O partido definiu seu marqueteiro: Felipe Soutello, que esteve à frente das campanhas de Márcio França (PSB) em 2018 e de Bruno Covas (PSDB) em 2020. Considerado nome mais caro do mercado de São Paulo, Soutello estava cotado para a campanha de Rodrigo Garcia (PSDB) e do próprio França..
É a política real, bem diferente das narrativas edulcoradas.
Para encará-la é preciso estar atento e forte, como ensina Caetano Veloso. Em tempo de verdade líquida, traduzidos por Zygmunt Bauman, se você bobear vai comprar gato por lebre e ficar feliz com o miado. Verdade? Essa já é fugaz há tempos. Hoje, mais que fugaz, ela se tornou fragmentada. Cada um constrói a sua.
Exemplos não faltam. Esta semana, o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, enfrentou uma maratona em São José dos Campos propagando sua versão edulcorada sobre a aridez de recursos a qual estão submetidos institutos sob a sua guarida. “O Inpe é a unidade mais privilegiada em termos de orçamento”, disse. Não importa o sucateamento do instituto, que teve em 2021 o menos orçamento dos últimos 10 anos. Locaute no monitoramento do Cerrado? Segundo ele, o Inpe deu uma “moscada”, faltou só preencher um formulário. Crises, desmatamento, “apagão” do supercomputador? Tudo se resolve, é simples. Mas, se é simples, por que já não está resolvido?
Outra simplificação da realidade é travada em torno das obras de transposição do rio São Francisco. Rejeitado por 8 em cada 10 brasileiros, o presidente Jair Bolsonaro tenta vender a imagem que as obras são fruto de sua gestão. Uma consulta no portal do governo desmente isso. Lá, segundo o cronograma, a maior parte das obras foi feita nos governos Dilma (49%)e Lula (37%). O governo Temer (9%) fez mais que Bolsonaro (5%). Mas, nessa seara, Bolsonaro não está só: tanto ele quanto Lula “inflam” investimentos. Vai que emplaca, né?
Frente a tudo isso, a narrativa em torno da candidatura de Felicio soa singela. Ao dizer “sim”, Felicio tem que, necessariamente, renunciar ao cargo de prefeito, ao qual foi eleito há um ano e meio, com promessa de cumprir o mandato. Aí vem a novela: convidado por Kassab, ele não disse nem sim, nem não; antes vai consultar a população, para evitar desgastes. Como? No paralelo, surgem movimentos nas redes incentivando Felicio a sair candidato. Apesar do enredo sem sal nem pimenta, essa é a senha da renúncia.
Entre a vida real e a narrativa, é preciso estar atento e forte, como dizia Caetano. Até para ouvir o miado da lebre. Acreditar é outra história.