Ideias

pé de moleque, bola de meia e um coração capotão

Por Guilhermo CodazziJornalista e escritor, editor-chefe de OVALE e Gazeta de Taubaté | 07/12/2019 | Tempo de leitura: 3 min

Todo pé de moleque pede uma bola de meia. De papel ou capotão. Aceita-se, na verdade, qualquer esfera que possa, sem opção melhor às mãos, fazer as vezes de bola. Da laranja caída, deixada no fim da feira, até um balão de festa de aniversário. É um vale tudo. Não importa que tamanho tem ou se é de couro, plástico ou sei lá o que. Se tem revestimento à prova d'água ou se é 'oficial'. Ali, no campinho, todas as bolas são feitas de uma mesma matéria-prima, prezado leitor. De pé de moleque.

Sim. Talvez por isso eu tenha as lembranças mais doces sobre o tempo em que a praça do Bom Conselho era palco do bate-bola da turma da rua. Isso no fim dos anos 80 e início da década de 90 — ali o bicho pegava!

Nossa vida naqueles tempos era definida na base do 10 minutos ou dois gols. No asfalto, com um tijolo ou um pedregulho, fazíamos as linhas, que, inutilmente, delimitavam o nosso campinho de sonhos.

Sim, inutilmente. Afinal, como limitar o espaço onde, no melhor estilo Coutinho/Pelé, a realidade tabelava com a nossa imaginação infantil? Não dava.

Coitadinhas das linhas… elas eram tortas como as pernas do Mané e incapazes de nos parar, como os pobres marcadores do Garrincha.

Ali, naquele asfalto, fui o camisa 10. Fui Pelé, Neto, Sócrates e Romário. Fui o maior craque do (meu) mundo de menino. Sem me importar o placar. Ou o tempo. Do relógio e do céu. Podia ser debaixo do sol escaldante. Ou na chuva. A verdade é que não tinha tempo ruim. Nem no primeiro e nem no segundo tempo. As traves, em geral, eram feitas de tijolos ou chinelos da marca Havaianas (também, na época, usadas como luvas por quem pegava no gol — as tiras sempre arrebentavam…).

Nosso time era formado pelo meu irmão Julio, Dimas, Fernando e Chiquinho (ele era da rua do Colégio, mas a gente comprou o passe dele na época por um punhado de balas). Era o 'Time da Praça'. O campinho, porém, contava sempre com as presenças do Max, do Gustavo, os irmãos Sandrinho e Gordo, além de outros amigos, como o Luzinho e o Hil. Ali, caro leitor, amizade e companheirismo trocavam passes com uma precisão germânica. Éramos um por todos e todos por um. Mas nós sabemos que o tempo é mesmo implacável, como centroavante frente a frente com o goleiro.

No cronômetro da vida, nós crescemos. Cada um seguiu um caminho. Uns foram pela ponta direita. Outros pelo meio. Já há até quem tenha deixado esse campo de jogo, dando lugar à ausência. Nem todo o tempo do mundo, no entanto, é capaz de apagar as lembranças daquela época. Fica a certeza de que determinadas partidas não têm fim. Não terminam jamais.

Continuam sendo jogadas aqui dentro, em um campinho de terra batida aqui no meu peito.

Um campo chamado saudade.

'Há um menino/ Há um moleque/ Morando sempre no meu coração/ Toda vez que o adulto balança/ Ele vem pra me dar a mão'. (Milton Nascimento)..

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

Receba as notícias mais relevantes de Vale Do Paraíba e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.