Ideias

pé de moleque, bola de meia e um coração capotão

Por Guilhermo CodazziJornalista e escritor, editor-chefe de OVALE e Gazeta de Taubaté |
| Tempo de leitura: 3 min

Todo pé de moleque pede uma bola de meia. De papel ou capotão. Aceita-se, na verdade, qualquer esfera que possa, sem opção melhor às mãos, fazer as vezes de bola. Da laranja caída, deixada no fim da feira, até um balão de festa de aniversário. É um vale tudo. Não importa que tamanho tem ou se é de couro, plástico ou sei lá o que. Se tem revestimento à prova d'água ou se é 'oficial'. Ali, no campinho, todas as bolas são feitas de uma mesma matéria-prima, prezado leitor. De pé de moleque.

Sim. Talvez por isso eu tenha as lembranças mais doces sobre o tempo em que a praça do Bom Conselho era palco do bate-bola da turma da rua. Isso no fim dos anos 80 e início da década de 90 — ali o bicho pegava!

Nossa vida naqueles tempos era definida na base do 10 minutos ou dois gols. No asfalto, com um tijolo ou um pedregulho, fazíamos as linhas, que, inutilmente, delimitavam o nosso campinho de sonhos.

Sim, inutilmente. Afinal, como limitar o espaço onde, no melhor estilo Coutinho/Pelé, a realidade tabelava com a nossa imaginação infantil? Não dava.

Coitadinhas das linhas… elas eram tortas como as pernas do Mané e incapazes de nos parar, como os pobres marcadores do Garrincha.

Ali, naquele asfalto, fui o camisa 10. Fui Pelé, Neto, Sócrates e Romário. Fui o maior craque do (meu) mundo de menino. Sem me importar o placar. Ou o tempo. Do relógio e do céu. Podia ser debaixo do sol escaldante. Ou na chuva. A verdade é que não tinha tempo ruim. Nem no primeiro e nem no segundo tempo. As traves, em geral, eram feitas de tijolos ou chinelos da marca Havaianas (também, na época, usadas como luvas por quem pegava no gol — as tiras sempre arrebentavam…).

Nosso time era formado pelo meu irmão Julio, Dimas, Fernando e Chiquinho (ele era da rua do Colégio, mas a gente comprou o passe dele na época por um punhado de balas). Era o 'Time da Praça'. O campinho, porém, contava sempre com as presenças do Max, do Gustavo, os irmãos Sandrinho e Gordo, além de outros amigos, como o Luzinho e o Hil. Ali, caro leitor, amizade e companheirismo trocavam passes com uma precisão germânica. Éramos um por todos e todos por um. Mas nós sabemos que o tempo é mesmo implacável, como centroavante frente a frente com o goleiro.

No cronômetro da vida, nós crescemos. Cada um seguiu um caminho. Uns foram pela ponta direita. Outros pelo meio. Já há até quem tenha deixado esse campo de jogo, dando lugar à ausência. Nem todo o tempo do mundo, no entanto, é capaz de apagar as lembranças daquela época. Fica a certeza de que determinadas partidas não têm fim. Não terminam jamais.

Continuam sendo jogadas aqui dentro, em um campinho de terra batida aqui no meu peito.

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