Em julgamento de ação movida pela PGJ (Procuradoria Geral de Justiça), o Tribunal de Justiça considerou inconstitucional a lei municipal que proibia que atletas trans disputassem partidas esportivas por equipes de São José dos Campos.
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A ação foi julgada na quarta-feira (20) pelo Órgão Especial do TJ, que é composto por 25 desembargadores, mas a decisão - que foi unânime - foi publicada apenas nessa quinta-feira (21).
Na ação, a PGJ alegou que ocorreu violação do pacto federativo, já que o município não deteria competência para legislar sobre desporto. Na decisão, o desembargador Jarbas Gomes, relator do processo no TJ, apontou que a lei "não ostenta caráter supletivo no que respeita a esses diplomas federais nem focaliza interesse local, mas inova ao ditar condição para a habilitação de competidores não prevista nos diplomas editados pela União, interferindo, destarte, na política desportiva. Visa, pois, a reger tema que demandaria tratamento homogêneo em todo o território nacional e não apenas a disciplinar situação específica da comunidade joseense".
O relator apontou ainda, na norma, "violação aos princípios da liberdade e da solidariedade vinculados ao desporto", por entender que a lei manifesta "discriminação, fomentando, com isso, preconceito e intolerância à orientação sexual variante e ao pluralismo natural da espécie humana".
Lei.
Apresentado em fevereiro de 2023 pelo vereador Thomaz Henrique (PL), o projeto recebeu posteriormente assinatura de coautoria dos parlamentares Marcelo Garcia (PRD), Renato Santiago (União) e Marcão da Academia (PSD).
O texto é uma cópia da proposta apresentada em 2022 na Câmara de São Paulo pelos vereadores Rubinho Nunes (União) e Sonaira Fernandes (PL). Thomaz, inclusive, esqueceu de alterar trecho da justificativa do texto apresentado em São José, que diz que "os transexuais são cidadãos como todos os outros paulistanos", que é o gentílico de quem nasce na capital paulista.
No projeto, Thomaz alegou que "a proposta apresentada não é fruto de preconceito ou ódio contra minorias", mas que embora os transexuais mereçam "respeito e compaixão, especialmente frente à tamanha violência que este grupo sofre no Brasil", isso não pode servir "como pretexto para o cometimento de injustiças no campo esportivo", pois "homens e mulheres possuem fisiologias completamente diferentes, independente se um dos dois passou por uma readequação de sexo".
O projeto foi aprovado pela Câmara de São José em novembro de 2023, com apenas cinco votos contrários. A norma foi sancionada pelo prefeito Anderson Farias (PSD) dois dias depois.
À reportagem, Thomaz lamentou a decisão do TJ. "Lamento que a interpretação constitucional da justiça não proteja o direito de mulheres biológicas em não competir com mulheres transexuais, o que já é garantido por normas esportivas internacionais".
Jurídico.
Antes de o projeto ser votado, a Procuradoria Legislativa, que é o setor jurídico da Câmara de São José, emitiu parecer contrário ao texto. O órgão técnico apontou que "a matéria não se revela de caráter predominantemente local, haja vista a existência de inúmeras proposituras legislativas com o mesmo objeto em tramitação na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo", e que por isso não deveria ser discutida no âmbito dos municípios - que não podem "contrariar as regras fixadas pela União e pelos Estados no âmbito da competência legislativa concorrente".
O órgão técnico destacou ainda que apenas o prefeito poderia propor regras relacionadas às equipes esportivas do município - ou seja, vereadores não teriam competência para criar esse tipo de regra. A Procuradoria ressaltou também que o "Poder Constituinte originário estabeleceu como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana", e que um dos objetivos do estado brasileiro é a construção de "uma sociedade livre, justa e solidária" e a promoção do "bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação", e que por isso "o Estado não poderá tomar medidas, legais ou concretas, que possam, de qualquer forma, causar constrangimento àqueles que porventura não se enquadrem em determinado padrão, ainda que majoritário, socialmente adotado como correto ou 'normal'".
O órgão técnico concluiu que "a vedação de participação de atletas transexuais em qualquer evento oficial do município" poderia "acarretar segregação de parcela da população local em atividades públicas desportivas e até mesmo constrangimento e risco à segurança durante as competições, em evidente desrespeito ao postulado básico da dignidade da pessoa humana, que engloba tanto a liberdade individual quanto a igualdade".