ENTREVISTA

Presidente do TJ: 'Democracia e imprensa livre são irmãs gêmeas'

Por Xandu Alves | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 18 min
Cláudio Capucho/OVALE
O desembargador Fernando Antonio Torres Garcia durante entrevista na sede de OVALE
O desembargador Fernando Antonio Torres Garcia durante entrevista na sede de OVALE

Só existe verdadeiro Estado Democrático de Direito quando a imprensa é livre. E não apenas para garantir a liberdade de expressão, mas também a busca pela verdade. Nesse contexto, o Poder Judiciário depende de uma imprensa livre, verdadeira.

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As afirmações são do presidente do TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo, desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, em entrevista exclusiva concedida a OVALE, jornal afiliado à Rede Sampi, na última sexta-feira (4).

A posição do presidente do TJ, em defesa da liberdade de imprensa, é corroborada pelo diretor-presidente de OVALE, Fernando Salerno.

“Apesar de uma relação, ainda, retraída, há visível identificação entre o papel da imprensa e do Poder Judiciário. Ambos representam valores essencialmente democráticos, refletidos na livre manifestação do pensamento e nas garantias da cidadania. Ambos buscam a justiça, a verdade real dos fatos, a dignificação humana, a redução das desigualdades e a construção de um mundo mais justo, livre e solidário”, afirmou Salerno, reforçando as similitudes entre imprensa livre e o Judiciário.

Aos 66 anos de idade e 41 de magistratura, o presidente do TJ entra em seu segundo ano de mandato à frente do “maior tribunal do mundo”, apostando na tecnologia para revolucionar o judiciário paulista.

“Estamos transformando o Poder Judiciário de São Paulo de um tribunal informatizado para um tribunal eminentemente digital. É uma revolução na área da tecnologia do Poder Judiciário”, afirmou Torres Garcia.

Nessa entrevista exclusiva, o presidente do TJ fala sobre os 150 anos do Tribunal, destaca o papel da imprensa e da democracia, revela novidades no Judiciário paulista, responde sobre 'penduricalhos' que aumentam os salários dos magistrados e discorre sobre a crescente judicialização no país. Confira a entrevista na íntegra:
 
“Quanto mais se fortalece a liberdade de imprensa, mais se robustece a democracia. Quanto mais se robustece a democracia, mais se fortalece a liberdade de imprensa”. Esta frase foi dita por Ayres Britto, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. Hoje ex-ministro, Ayres Britto completava dizendo que "a imprensa e democracia são irmãs siamesas". Qual é a avaliação do senhor sobre o papel da imprensa? E traçando um paralelo, quais são as similitudes entre o papel da imprensa e o papel do Poder Judiciário?

Primeiro lugar é um prazer estar aqui na redação de OVALE. Enquanto corregedor geral da Justiça e candidato à presidência do Tribunal, tive a honra de fornecer um artigo que foi publicado naquela ocasião. É, o ministro Ayres Britto está coberto de razão. Não há possibilidade de imprensa ser cerceada com existir com democracia. São coisas absolutamente díspares.

Nós só vamos viver num verdadeiro Estado Democrático de Direito quando a imprensa for absolutamente livre. Existem até constitucionalmente algumas restrições, evidentemente. Ninguém pode utilizar a imprensa para assacar alguém de maneira flagrante. Mas basicamente, democracia e imprensa livre são irmãs gêmeas.

Da mesma maneira, é o Poder Judiciário brasileiro, e em especial o Poder Judiciário do estado de São Paulo, de quem tenho a honra de ser o chefe neste biênio 2024-25. O Poder Judiciário depende muito de uma imprensa livre, verdadeira, para ter conhecimento dos fatos, para ter, eventualmente, até solução de problemas veiculados via imprensa. Então, há uma coexistência sim, tem que existir para o bem do estado democrático de direito, um Poder Judiciário e imprensa livre.

 

Poucos dias após o senhor assumir a presidência, o Tribunal de Justiça de São Paulo completou 150 anos de história, no dia 3 de fevereiro de 2024. Como manter o TJ jovem, atualizado, conectado e adaptado às mudanças cada vez mais rápidas, em uma sociedade que se transforma em ritmo acelerado?

Você tem toda razão. É uma tarefa incessante atualizar o Poder Judiciário. É isso que nós estamos procurando fazer desde o primeiro dia de gestão na presidência, e o que já procurei fazer no biênio 2022-23 como corregedor geral da Justiça do Estado de São Paulo. Vejam que nós hoje viemos a São José dos Campos instalar três novas unidades judiciais, a 4ª Vara da Família e das Sucessões, a 9ª Vara Cível e a Vara Regional das Garantias, que é uma novidade no direito brasileiro e no Poder Judiciário de São Paulo e de todo Brasil.

Então, esse é um meio de tentar fazer com que a realidade do Poder Judiciário não se distancie do povo, da população, da necessidade da sociedade civil. Esta semana, na segunda-feira, o Tribunal de Justiça entrou numa nova era tecnológica. Nós inauguramos na competência do Juizado Especial Cível, o novo sistema informatizado chamado Eproc.

Não sei se vocês têm conhecimento disso, mas é uma revolução na área da tecnologia do Poder Judiciário. Nós estamos transformando o Poder Judiciário de São Paulo de um tribunal informatizado para um tribunal eminentemente digital. Vamos mudar conceitos não só do processo, mas da administração. Isso envolve todas as secretarias do tribunal. Será dentro de 3 a 5 anos, quando o processo tiver totalmente concluído, nós teremos uma nova cara para o Poder Judiciário de São Paulo, mais ágil para que nós possamos prestar a jurisdição de maneira mais célere e eficiente, e com qualidade.

 

Que balanço o senhor faz do primeiro ano à frente do Tribunal de Justiça de São Paulo e quais são os principais desafios da Justiça de São Paulo hoje?

Aliás, quando eu era corregedor e candidato à presidência, eu estabeleci um programa de gestão que, já no primeiro ano, no final do primeiro ano de gestão, ele já estava praticamente todo concluído. Só resta um que eu não pude ainda fazer, que é o atendimento médico a todos os nossos 40 mil servidores no estado de São Paulo, mas foi uma questão contratual que nós já resolvemos esses dias. Então, em breve, meu último item de programa que não havia sido concluído será concluído em breve. Todo funcionário no interior do estado terá atendimento médico nas sedes das regiões administrativas.

É um balanço muito positivo. Não só por ter cumprido o que prometi, mas para estarmos indo além, nós estamos tendo condições de instalar várias unidades judiciais em todo o estado de São Paulo. Semana passada estivemos instalando a Vara Regional das Garantias em Araçatuba, foi a terceira, a primeira foi em Santos, a segunda em Sorocaba, a terceira em Araçatuba, hoje em São José dos Campos, sexta-feira que vem em Bauru. Até o final do ano, as 13 Varas Regionais das Garantias estarão funcionando a contento em todo o estado de São Paulo.

É praticamente em conjunto com Sorocaba. Sorocaba e São José praticamente ao mesmo tempo, são as duas primeiras comarcas do estado que funcionam longe daquela mentalidade de cartório. Você ia na 2ª Vara Cível e você tinha aqui o cartório da 2ª Vara Cível. Hoje não existe mais isso em São José e Sorocaba e em várias comarcas do interior, mas de maneira única. São José dos Campos e Sorocaba nós temos um sistema de unidades de processamento judicial. O que é isso? É que se falava antigamente em cartório do futuro, não sei se ouviu isso.

É a unificação de cartórios com a mesma competência. Por exemplo, aqui em São José dos Campos nós temos agora quatro varas de família. Pelo formato antigo, nós teríamos quatro cartórios. Isso não existe mais, é um cartório único para essas quatro varas de família. Ah, mas qual a vantagem nisso? A vantagem é que nós padronizamos procedimentos, não há mais cada um fazendo o seu e, ao padronizar o procedimento, o processo segue com mais agilidade e rapidez. E há também uma racionalização no uso de espaço físico e de uso de servidores também. Então, todo mundo ganha, é um ganha-ganha. Mas eu tenho que correr porque o presidente tem o mandato de dois anos. Então, se não fizer um ano não dá tempo.

 

O que representa o TJ-SP para a Justiça brasileira?

Nós somos, e isso não é um regozijo, mas passa a ser até um problema maior. Nós somos o maior Tribunal do mundo em número de processos. Do mundo. Em número de juízes, nós só perdemos para um tribunal da China. Mas a China, quando se fala em quantidade de pessoas, não é um parâmetro de comparação. Então nós, no estado de São Paulo, temos o maior Tribunal de Justiça do mundo em número de feitos, em acervo processual. O que torna, queiramos ou não, o Tribunal de Justiça um parâmetro para toda Justiça brasileira.

Então, a proximidade do Tribunal de Justiça de São Paulo que procuramos retomar nessa gestão, a proximidade com Brasília, com o Conselho Nacional de Justiça, o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, enfim, com os tribunais superiores. Foi muito importante essa retomada. São Paulo volta a ter o protagonismo que sempre teve décadas atrás. Essa é a importância.

Além disso, nós temos magistrados de extrema competência. São praticamente 2.200 juízes em primeiro grau de jurisdição, 360 desembargadores, cerca de 120 juízes substitutos em segundo grau, magistrados extremamente qualificados, competentes, que passam por um concurso público muito difícil. Então, é um orgulho para o Tribunal ter o corpo de magistrados que tem.

Além disso, nós temos um corpo de servidores de fazer inveja a qualquer estado. Servidores extremamente preparados, dedicados, que amam aquilo que fazem. O Tribunal, sem os nossos servidores, não seria nada. Só com o juiz não se faz justiça. É preciso ter o sustentáculo e competência que os servidores nos dão diariamente.

 

O TJ-SP movimenta 27% do total de processos em tramitação no Brasil. Isso é razoável? Ou vivemos um excesso de judicialização no país? Como reduzir os processos judiciais no Brasil?

A legislação permite uma série de recursos que, infelizmente, acabam procrastinando um andamento processual e propiciando qualquer tipo de aventura judicial. Nós temos, sim, 27,5% do movimento de todo o judiciário brasileiro. E hoje, por exemplo, quando se vem a São José dos Campos instalar três novas unidades judiciais, não é para sair na fotografia, é porque realmente precisa. E precisa porque a judicialização só cresce. Oxalá eu viesse a São José para extinguir unidades judiciais. Sinal de que a sociedade estaria mais pacífica, não é? Que não haveria tanta litigiosidade. Mas não é isso que acontece.

Então, cabe à direção do Tribunal de Justiça acompanhar esse reclamo social e fazer com que a nossa estrutura judiciária responda à demanda que, infelizmente, só cresce. E tem crescido também em função da judicialização predatória. Há muita utilização do Poder Judiciário de maneira indevida. Tanto a Presidência quanto a Corregedoria Geral da Justiça têm acompanhado com afinco o crescimento da litigância predatória. Estamos combatendo com ferocidade essa litigância predatória que só consome recursos humanos e principalmente recursos financeiros.

Há um estudo que nós, no Tribunal de Justiça, processando demandas predatórias num período de dois anos, 2022 e 2023, gastamos quase R$ 2,7 bilhões só no processamento de demandas predatórias, é a chamada litigação predatória.

 

Quando o senhor fala predatória é no sentido de ser feita não para buscar um direito, mas para prejudicar ou obter vantagem?

Ações que provocam o judiciário com partes que não existem. É uma organização criminosa mesmo. Causas que não existem, mas eles acionam e buscam. Não estou dizendo que é a advocacia, não. É uma organização criminosa que se utiliza de advogados criminosos em busca da condenação e honorários advocatícios. Isso é o grande mote da litigação predatória.

Só que, ainda que a causa não exista, ainda que a parte nem saiba que é parte, isso movimenta a máquina judiciária e toma o tempo daquele que realmente precisa do Poder Judiciário. Enquanto eu processo 10 causas predatórias, eu deixo de atender a uma separação, a um divórcio, a um alimento, enfim, a uma ação verdadeiramente necessária.

 

Qual o papel da tecnologia hoje para o TJ e a justiça paulista? Ela democratizou o acesso à justiça, por exemplo? Ela ajuda a combater esses delitos? O uso de IA é uma possibilidade, pode auxiliar o TJ?

Sim, nós já estamos usando inteligência artificial sobretudo na solução, na seleção de temas em grau recursal, preparando relatórios para o magistrado, o relatório da decisão, pesquisa de litispendência, de temas junto aos tribunais superiores, enfim, nós já estamos preparando a inteligência artificial para isso.

Quanto à tecnologia, como disse, começamos esse ano, essa semana, a utilização do Eproc. Inauguramos na segunda-feira de manhã no Fórum Regional do Butantã em São Paulo e, à tarde, no Fórum Regional do Tatuapé. São as primeiras unidades a receberem um Eproc. Até o final de junho, todo o sistema de juizado especial do estado de São Paulo já vai estar trabalhando exclusivamente com o Eproc.

Eu vou instalar uma nova vara em São Paulo, no Fórum Regional de Nossa Senhora do Ó. Que unidade é essa? É uma Vara de Juizado Especial. Como ela está nascendo, ela já nasce exclusivamente no Eproc.

 

A própria natureza do Juizado Especial é para dar celeridade, não é?

O Juizado foi criado para isso, sobretudo naquelas causas menores, onde o valor não excedeu 20 salários mínimos. O tema principal do Juizado se chama conciliação. Nós buscamos não é prestar jurisdição como forma impositiva, mas sim fazer com que as partes cheguem ao acordo. Cada um abrindo um pouco do seu pretenso direito.

 

Foi lançado aqui em São José dos Campos, em 26 de março, o Projeto VIDA (Vigilância, Inteligência, Defesa e Ação), que tem participação essencial do Tribunal. O que é esse projeto e quais benefícios trará para a região?

O projeto Vida nasceu lá na região administrativa de Ribeirão Preto, na comarca de Sertãozinho. Por iniciativa de um magistrado, ele mesmo criou esse sistema, teve a colaboração do comandante do pelotão local e ele veio se espalhando. Eu não me lembro exatamente o ano que começou, mas já faz algum tempo, e ele vem ganhando ramificação em todo o estado de São Paulo. Nós temos incentivado muito o Projeto Vida.

Eu tenho estado constantemente com o secretário de Segurança Pública, o secretário [Guilherme] Derrite, o comandante geral da PM, coronel Cássio [Araújo de Freitas], nós estamos procurando tornar a capilaridade maior possível para que abranja todo o estado de São Paulo. O Projeto Vida está ligado à violência doméstica, fazendo com que a vítima da violência doméstica tenha como se comunicar com a polícia ou com judiciário numa maneira mais rápida e eficiente.

É isso que nós visamos, a proteção à vítima da violência doméstica. É um mal que também, infelizmente, no período pandêmico e pós-pandêmico, ele aumentou demais. Eu sou originário da seção criminal do Tribunal de Justiça, sou um desembargador da seção criminal, tenho acompanhado a evolução. É lamentável, preocupante a violência doméstica em todo o estado de São Paulo.

 

Falando sobre o orçamento do TJ-SP, o valor aprovado pelos deputados para 2025 foi de quase R$ 18 bilhões. Esse dinheiro é suficiente ou o Tribunal precisa de outras fontes? Há quem diga que o TJ-SP custa caro demais. Como o sr. responde?

O Tribunal de Justiça, como eu digo, a gente tem que fazer uma análise geral, como nós estamos fazendo nessa entrevista desde o começo. Se eu tenho o maior Tribunal de Justiça do mundo é evidente que ele custa caro. Sem querer uma comparação pejorativa, eu não posso ter o mesmo orçamento que tem o Tribunal de Justiça do Sergipe. São coisas que não coexistem. Então, se o brasileiro de São Paulo precisa de uma justiça rápida e com eficiência, isso custa dinheiro. Eu já te falei que são mais de 40 mil servidores ativos, fora os inativos, 2.600 magistrados entre primeiro e segundo grau. E nós temos perto de 740 unidades, prédios, imóveis para gerir.

Então, essa máquina judiciária é cara, mas ela seria ineficiente se não prestasse um serviço adequado. Quanto o valor do orçamento, sim, ele é bastante razoável, nos atende. A negociação que eu fiz com o governador Tarcísio de Freitas nesse orçamento foi tranquila, pacífica. O governador tem nos prestado um auxílio constante. Temos sido parceiros, ele como chefe do Poder Executivo, eu como chefe do Poder Judiciário e nesse triangular entra também o deputado André do Prado, chefe do Poder Legislativo Estadual, que também quando a proposta orçamentária foi encaminhada à Assembleia Legislativa, a Assembleia teve a sensatez e teve a benevolência de compreender os necessários gastos que o Tribunal precisa fazer. Quer dizer que eles souberam compreender as nossas necessidades.

 

O dinheiro que o Tribunal arrecada faz parte desse orçamento?

Nós temos uma fonte chamada fonte 3, que é baseada numa lei especial, o fundo especial de despesas, que é uma lei que entrega ao Tribunal o fruto da arrecadação das custas judiciais. Essa é uma fonte prevista também na planificação do orçamento, mas fora desse valor. Então nós temos aí, mas ele tem uma destinação específica. Esse fundo eu posso gastar, por exemplo, como tecnologia, renovação, infraestrutura. Eu não posso, por exemplo, fazer pagamento de vencimentos regulares a magistrados e servidores. Custeio não pode.

 

Benefícios e penduricalhos pagos aos membros do Judiciário fazem com que os salários por vezes ultrapassem o teto do funcionalismo público. E isso gera críticas ao Poder Judiciário. Que avaliação o senhor faz desta questão?

O que nós precisamos definir é o que são esses ditos penduricalhos, não é? Não existe penduricalho. Nós, magistrados, recebemos subsídio, que ele é baseado no subsídio do ministro do Supremo Tribunal Federal. Um desembargador recebe 90,25% do que ganha o subsídio do ministro do Supremo Tribunal Federal. Isso é lei, está previsto em previsão legal. Ocorre que, ao longo dos anos, eu diria para você, ao longo dos últimos 20 e 25 anos, muitos créditos a que os magistrados tinham direito não foram honrados a tempo.

Esses créditos estão sendo reconhecidos ao longo dos últimos anos. Então, o que existe, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem um passivo a ser quitado com os seus servidores. Então, nada mais é o pagamento de parcelas devidas por conta daquilo que não foi pago a tempo. Nada mais é do que a satisfação de uma dívida pretérita que o Poder Judiciário tem com seus membros. É simples assim. E eu não pego e pago quanto eu quero. Por exemplo, reconhecido aquele benefício que deveria ter sido pago lá em 2008, eu comunico o Conselho Nacional de Justiça que reconhece ou não esse direito que autoriza pagar ou não esse direito.

Então, tudo o que nós fazemos, todos os tribunais justiça do Brasil, passam pela chancela autorizativa do Conselho Nacional de Justiça. Outros benefícios, um recente que teve, veio de uma decisão do próprio Supremo Tribunal Federal, no acórdão relatado pela ministra Rosa Weber. Essa decisão gerou um passivo para todos os magistrados brasileiros e cada tribunal paga da maneira que o seu orçamento permite. É isso.

 

No caso de São Paulo, o senhor tem ideia de quanto é esse passivo?

É grande. Porque como nós temos a maior magistratura do Brasil disparado, nosso passivo está em torno de R$ 5 bilhões. Serão anos pagando isso. Muitos anos. Aliás, a gente já vem pagando alguns anos e, se eu não faço o pagamento, é isso que precisa ser compreendido, eu não consigo quitar sequer os juros. Se eu não quito os juros, qual é o resultado? A dívida aumenta, só cresce. Então nós temos que pagar o juro e também um pouco do principal, para que essa dívida, um dia, possa ser quitada totalmente. E quitando a dívida, nós vamos ter mais sobra de orçamento para o Tribunal, não é? E vamos prestar melhor ainda jurisdição. Não que isso tenha, esteja nos impedindo de prestar melhor jurisdição, não é isso. Mas quanto mais a gente quita a dívida, menos previsão orçamentária terá que ser feita.

 

O senhor falou sobre Inteligência Artificial. O senhor acha que ela poderá substituir os juízes algum dia?

Olha, eu tenho 66 anos de idade, 41 anos de magistratura. Eu diria para você que não só não acredito, como espero que isso nunca aconteça. Espero não estar vivo para ver uma tragédia dessa, porque não há inteligência artificial que substitua a sensibilidade humana. O senso de justiça não pode, por melhor que se faça, ser substituído por uma máquina, da melhor qualidade que seja. Eu digo para você que a inteligência artificial hoje, ela serve como aparato de ajuda ao magistrado, jamais substituirá o magistrado.

O ser humano não pode e não deve ser substituído por uma máquina, nunca. Não só no Poder Judiciário, mas em todo e qualquer relação humana. Ela tem que servir para facilitação da vida, do trabalho, não para substituir o ser humano. Oxalá, eu não esteja vivo para ver uma desgraça desse tamanho.

 

O Judiciário brasileiro, em especial o STF, sofreu ataques no Brasil, como do ex-presidente Bolsonaro, hoje réu por tentativa de golpe de estado. O sr. vê problemas na conduta do STF? Nossa Corte Suprema tornou-se mais política do que técnica? Ou ela garantiu a defesa da democracia?

Olha, eu desde criança, meu pai é advogado, na minha formação jurídica, eu aprendi uma coisa logo de início, antes de entrar na faculdade: decisão judicial a gente cumpre, não discute. De maneira que essa eu vou me reservar a não tecer comentários que não seriam comentários do chefe do Poder Judiciáiro de São Paulo, mas seriam meus pessoalmente. De maneira que, como eu estou lhe dando uma entrevista como chefe do Poder Judiciário, eu vou me abster de fazer considerações de cunho pessoal.

Mas eu só ressalto que o ministro Luiz Roberto Barroso [presidente do STF] tem tido um relacionamento muito próximo ao Tribunal de Justiça de São Paulo e comigo em particular. Eu posso lhe garantir que ele, ao presidir o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça, age com a melhor das intenções, em respeito à Constituição Federal, à lei orgânica da magistratura, enfim, ele é um grande líder. Hoje, além de ser o chefe, é um grande líder da magistratura brasileira. Essa consideração eu faço e com muito gosto.

Quanto a tecer comentários, se a decisão é política ou é judicial, lembro que a decisão a gente cumpre e não discute.

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