
Fim da novela?
Era uma vez o processo de criação de um novo modelo para o transporte público de São José dos Campos, que deveria ter entrado no ar em 2020 e transformou-se em uma novela longa, com cinco penosos anos de duração e que parece estar encaminhando-se para o capítulo final.
Éramos seis? Depois de cinco fracassos, a licitação promovida pela Urbam (Urbanizadora Municipal) resultará na contratação da Green Energy S.A., de São Paulo, para a locação de 400 ônibus elétricos. O anúncio foi feito na tarde dessa quinta-feira (13).
A implementação de um novo sistema de transporte, com ônibus 100% elétricos e um novo modelo operacional, é mais do que uma promessa, trata-se de uma das bandeiras da gestão Anderson Farias (PSD).
Vamos contextualizar?
No último dia 10 de janeiro, a Green Energy S.A. apresentou a proposta de R$ 2,718 bilhões por 15 anos de contrato, pelo aluguel de 400 ônibus elétricos.
OVALE revelou, no mesmo dia 10 de janeiro, que a empresa foi constituída sob medida para o edital. São as regras do jogo.
A Green Energy S.A. foi criada no mês de agosto de 2024, em São Paulo, com o nome de Costa Blanca Participações S.A., para atuar como holding de instituições não financeiras (empresa que controla outras empresas).
E que apenas em 5 de dezembro mudou de nome (para Green Energy) e de diretor-presidente, e teve o objeto alterado para "locação de automóveis sem condutor/locação de outros meios de transporte não especificados anteriormente, sem condutor" -- justamente o serviço a ser prestado em São José. O edital havia sido publicado pela Urbam em 12 de novembro.
Nesta quinta, após análise da documentação, a Urbam afirmou que a empresa estava habilitada. A assinatura do contrato está prevista para os próximos dias, então a Green Energy terá seis meses para começar a disponibilizar os veículos.
A entrega completa pode ser feita em até 18 meses. O governo precisa ainda fazer uma segunda licitação, para definir a empresa que ficará responsável pela operação dos 400 ônibus alugados. Final feliz?
Novela.
Para refrescar a memória, um flash back: vejamos um resumo dos capítulos anteriores dessa longa novela, que estreou em 2019 - e que os passageiros, que usam diariamente ônibus precários e com passagens mais caras, não aguentam mais, no melhor estilo da novela 'Deus nos acuda'.
Em 2019, no mês de janeiro, a prefeitura contratou a FGV (Fundação Getúlio Vargas) elaborar o novo modelo de concessão do transporte, por R$ 2,4 milhões. A ideia era manter o formato tradicional, com empresas operando os ônibus, em um edital que previa dois lotes. Com resistência do mercado, editais foram lançados em 2020 e 2021.
Após uma mudança, com a permissão para que uma mesma empresa operasse os dois lotes, o Grupo Itapemirim demonstrou interesse -- diante de graves dificuldades financeiras, porém, como era público e notório, a empresa não comprovou que seria capaz de entregar o que era exigido e o episódio se converteu em um fiasco, com os passageiros soltando cobras e lagartos.
OVALE, inclusive, dedicou três cadernos especiais sobre o tema, apontando a fragilidade da empresa vencedora do certame e o risco que representava para o transporte público, com o empresário Sidnei Piva de Jesus, da Itapemirim, sendo acusado de fazer um verdadeiro cambalacho.
Um ano depois, na força do querer, o Paço Municipal decidiu apostar em um novo modelo, apesar da resistência ainda maior do mercado: alugar os ônibus por meio da Urbam e contratar outra empresa para operá-los, em outra licitação, feita pela Secretaria de Mobilidade Urbana.
A partir daí, foram cinco editais fracassados -- três atraíram uma empresa cada, desclassificadas posteriormente. Houve ainda tentativas barradas pelo Poder Judiciário e TCE (Tribunal de Contas do Estado).
Além de longa, a novela foi se tornando cara. Com os fracassos na licitação, o governo fez sucessivas prorrogações nos atuais contratos com as empresas de ônibus, que deveriam ter sido encerrados em 2020 e 2021, como mostrou OVALE.
Firmados em abril de 2008, os contratos com a Joseense e a Expresso Maringá deveriam ter sido encerrados em abril de 2020, mas já sofreram cinco prorrogações: para fevereiro de 2021, outubro de 2022, outubro de 2023, outubro de 2024 e outubro de 2026. Já o contrato com a Saens Peña, firmado em outubro de 2010 e que deveria ter sido encerrado em fevereiro de 2021, foi prorrogado quatro vezes: para outubro de 2022, outubro de 2023, outubro de 2024 e outubro de 2026.
Caso o novo sistema esteja pronto para entrar em operação antes de outubro de 2026, os contratos atuais terão a rescisão antecipada.
Viabilidade.
Diante do exposto, a dúvida maior sobre o novo sistema é a sua viabilidade econômica. O TCE chegou a apontar isso em 2023, como revelou o editor-executivo de OVALE, Julio Codazzi. À época, o tribunal afirmou que o novo modelo não teve a viabilidade econômica comprovada e deveria ter sido discutido com a sociedade civil por meio de audiências públicas.
Sobre a ausência de comprovação da viabilidade econômica do novo modelo, os apontamentos são diversos. Um deles é de que a Urbam não justificou por que seria mais vantajoso pagar aproximadamente R$ 3 bilhões para alugar os 400 veículos durante 15 anos, em vez de comprá-los por R$ 1 bilhão.
À época, os órgãos técnicos do TCE apontaram também que como a Urbam não soube informar qual seria o custo para a estatal assumir, a partir do oitavo ano do contrato, a responsabilidade pelos carregadores e pelas baterias dos veículos, isso mostra que "não há sequer valor estimativo da tarifa necessária à cobertura do novo sistema". Na ocasião, a prefeitura revogou o edital antes do julgamento pelo tribunal.
De lá para cá, essas questões ainda não foram respondidas, efetivamente. 'Qual será o valor da tarifa?', por exemplo.
E agora, (São) José?
E essa é para os noveleiros de plantão: fazendo uma analogia com a teledramaturgia brasileira, reconhecida mundo afora, qual seria um bom título para a novela do transporte público em São José? 'Final feliz' ou 'Sinal de alerta'? 'A força de um desejo'? 'Felicidade' ou 'Deus nos acuda'? 'Esperança'?
'Agora é que são elas', como escreveu Ricardo Linhares no folhetim homônimo de 2003. Cabe à prefeitura cumprir a promessa e oferecer à sociedade joseense um sistema de transporte à altura da cidade, apresentando o estudo que comprove a viabilidade econômica do novo modelo.
Afinal, após cinco anos desta novela, o que os usuários dos ônibus em São José menos querem ver é uma reprise. Nada de 'Vale tudo' ou 'Verdades secretas'. A cidade merece, sem dúvida, um final feliz, com um sistema moderno, confortável e viável.
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.
Comentários
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PEDRO LUIS DE SOUZA MORAIS 25/02/2025Parabéns! Texto e informações impecáveis.