Veterano do Congresso Nacional, o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania) avalia que a turbulência causada pelo governo federal ao incluir a ampliação na isenção sobre o imposto de renda no mesmo pacote de corte de gastos atrapalha o que classifica como a economia do Brasil real - que vem somando investimentos em desenvolvimento sustentável.
Em entrevista ao JC nesta sexta-feira (29), o parlamentar ressaltou a importância de medidas como a revisão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a imposição de idade mínima para a aposentadoria dos militares.
Criticou também a recente polêmica em torno do Carrefour e disse que há pressão contrária na França - cujos agricultores "são viciados em subsídios" - ao acordo entre Mercosul e União Europeia.
A seguir, os principais trechos da conversa.
JC - A semana foi turbulenta no País. O governo anunciou um pacote de contenção de gastos e incluiu ao mesmo tempo a isenção do Imposto de Renda até a faixa de R$ 5 mil, ao que o mercado reagiu. Como o sr. enxerga esses últimos dias?
Arnaldo Jardim - Foram mesmo turbulentos, até porque expectativas [do mercado] foram frustradas. Veja a conjuntura dessa semana. Primeiro houve a discussão do Mercosul sobre o acordo com a União Europeia. Aquele boicote envolvendo o Carrefour, por exemplo. E logo em seguida tivemos a conclusão dos inquéritos da Polícia Federal sobre as tentativas de golpe.
Na Câmara, enquanto isso, havia pressa para definir o projeto [que redefine] as emendas parlamentares. Tudo isso em jogo. Agora temos de discutir em ritmo acelerado a LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] e a Lei Orçamentária do ano que vem. O Senado também deveria ter finalizado o relatório sobre a regulamentação da reforma tributária, mas não o fez.
Passada a semana, o que aconteceu? Prevaleceu o [impacto] do encaminhamento feito pelo governo do pacote de contenção de gastos.
Minha opinião sobre isso é muito direta. Acredito que o governo tenha dado um tiro que saiu pela culatra. O interesse do governo era produzir cortes que poderiam levar ao equilíbrio fiscal e garantir a manutenção do arcabouço.
Mas ao mesmo tempo em que anunciou isso veio também mais um benefício fiscal - a isenção do IR -, que pode impactar em meio ponto percentual a mais na taxa de juros. A conta não fecha. Achei uma medida temerária.
JC - Por quê?
A.J. - Porque apesar dessa turbulência temos uma economia real que, se tivermos equilíbrio, vai adiante. Fui relator, por exemplo, do projeto "combustível do futuro". Temos acompanhado de perto essa regulamentação. E já temos investimentos que superam R$ 260 bilhões para os próximos sete anos.
Há também o projeto de hidrogênio de baixo carbono, cujos investimentos estimados superam R$ 40 bilhões. Outros R$ 130 bilhões vêm do programa Mover, a nova orientação para a indústria automobilística. Fora isso, o governo também taxou o aço da China, como todos os países têm feito, e a siderurgia nacional anunciou R$ 38 bilhões em investimentos.
Então há um Brasil real que está em marcha. Veja o setor agro, com recordes de produção e uma safra potencialmente histórica no ano que vem. E temos o governo, que precisa passar à sociedade sinais de estabilidade mas não tem conseguido fazer isso.
JC - O Congresso Nacional terá de trabalhar bastante para avaliar onde haverá compensações no âmbito fiscal. Quais são as cartas na mesa?
A.J. - O governo anunciou uma série de itens que terão repercussão. Primeiro com relação às emendas parlamentares, metade das quais serão destinadas à Saúde. Isso já acontece na prática, mas é bom que esteja positivado.
Outro ponto é a revisão ao abono do salário mínimo, que acontece a partir de dois salários. Isso terá adesão do Congresso, creio. Há também o pente-fino sobre o Benefício da Prestação Continuada (BPC), que cresceu desordenadamente e precisa ser revisto, e a imposição de idade mínima para a aposentadoria dos militares. Não vejo dificuldade do Congresso para apoiar isso.
JC - Sobre a questão dos juros, temos críticas ao presidente do Banco Central a respeito dos mecanismos de contenção do câmbio - como leiloar dólar, por exemplo. O BC de fato é omisso nessa parte? Como o sr. enxerga a indicação de Gabriel Galípolo para presidir o órgão?
A.J. - O Banco Central tem errado nesse último período. E tem sido extremamente conservador, até em momentos de controle como a recente deflação. O BC deveria, sim, fazer leilões de contenção do dólar.
Mas o mais determinante para a elevação da moeda americana foram a instabilidade, o receio do desequilíbrio fiscal, e a diminuição dos investimentos internacionais. Em outubro houve recorde de saída de dólar da Bolsa. Sobre o Galípolo, creio ter sido uma decisão correta. Teremos um BC menos ortodoxo.
JC - A semana começou também com a polêmica declaração do CEO do Carrefour na França sobre a carne da América do Sul. A rede se desculpou, mas nada pode reverter o mal-estar. Sobretudo pela avançada tecnologia empregada no agro brasileiro.
A.J. - Há um movimento de protesto contra o acordo União Europeia-Mercosul. Os grandes mobilizadores disso são especialmente os agricultores franceses, que na minha avaliação são viciados em subsídios e buscam preservar seus interesses em detrimento dos interesses de seu país. São pouco eficientes.
Veja. Houve uma recente manifestação em Paris em que agricultores pediam a redução das exigências sobre bioinsumos. E nós, por outro lado, aprovamos nesta semana a ampliação dos bioinsumos para a nossa agricultura. Isso dialoga com uma agricultura sustentável. No mundo a utilização desse produto cresce 5%, 6% ao ano. No Brasil, 20%.
Nossa carne tem um padrão de extrema qualidade. Estou confiante de que o acordo com a UE será aprovado.
JC - O sr. citou os investimentos previstos para o desenvolvimento sustentável, como o hidrogênio verde, por exemplo. São projetos aprovados neste ano no Congresso. Qual balanço o sr. faz de 2024?
A.J. - Eu estou muito feliz com meu ano parlamentar. Consegui ser relator e aprovar as debêntures de infraestrutura, o hidrogênio de baixo carbono, e fui também o relator do combustível do futuro. Aqui falamos sobre etanol, biodiesel, biogás, combustível sustentável da aviação, coisas que terão grande impacto na região de Bauru, que tem história em todos esses segmentos.