O Tribunal de Justiça negou o habeas corpus solicitado pelas defesas dos médicos de Taubaté Rui Noronha Sacramento e Mariano Fiore Junior, que foram condenados no ‘Caso Kalume’, como ficou conhecido nacionalmente o esquema de tráfico de órgãos humanos descoberto na década de 1980.
Nos habeas corpus, as defesas pediam que ou fosse suspensa a decisão da semana passada que determinou a prisão dos médicos ou que os réus pudessem cumprir as penas em prisão domiciliar.
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Ao recusar o pedido para suspensão da ordem de prisão, o desembargador Eduardo Abdalla, relator do processo na 6ª Câmara de Direito Criminal do TJ, afirmou que "tendo o Conselho de Sentença deliberado pela condenação do paciente, sua vontade soberana deve ser executada de imediato, nos moldes da decisão do STF [Supremo Tribunal Federal], inexistindo ofensa ao princípio da presunção de inocência, até porque já esgotada a 2ª instância".
Sobre o pedido de prisão domiciliar, o desembargador ressaltou que "eventuais benesses com fundamento na idade ou doença grave devem ser objeto de deliberação por parte do Juízo de 1º Grau, sob pena de violação ao princípio constitucional do juiz natural e supressão de instância".
A defesa de Mariano Fiore Junior informou que irá protocolar embargos de declaração, que são um tipo recurso usado para questionar uma decisão judicial, apontando inconsistências como omissões ou contradições. "Pois o eminente relator não se pronunciou sobre dois aspectos fundamentais da impetração, quais sejam, a ocorrência de coisa julgada e a violação ao princípio da irretroatividade de lei que agrava a situação dos acusados", explicou o advogado Sérgio Badaró. A defesa de Rui Noronha Sacramento não havia se manifestado até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto.
Caso Kalume.
A denúncia foi feita ao Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) em 1987 pelo médico Roosevelt Kalume, então diretor da Faculdade de Medicina de Taubaté. Kalume relatou que colegas de profissão haviam implantado um programa ilegal de retirada de rins de pacientes ainda vivos para doação e transplantes.
O caso, que foi batizado com o nome do denunciante, ficou conhecido nacionalmente e passou a ser investigado pela Polícia Civil. O inquérito, concluído apenas em 1996, apontou que quatro médicos eram responsáveis pelas mortes de quatro pacientes, ocorridas em 1986, no antigo Hosic (Hospital Santa Isabel de Clínicas), que funcionava onde fica atualmente o Hospital Regional.
Um dos acusados, o médico Antônio Aurélio de Carvalho Monteiro, morreu em maio de 2011, antes do caso ser julgado.
Julgamentos.
Em outubro de 2011, os outros três réus – os médicos Pedro Henrique Masjuan Torrecillas, Rui Noronha Sacramento e Mariano Fiore Junior – foram a júri popular e acabaram condenados a 17 anos e seis meses de prisão. Eles diziam ser inocentes e afirmavam que os pacientes já estavam mortos quantos os rins foram retirados.
No júri popular de 2011, uma enfermeira foi ouvida como testemunha e disse que presenciou quando um dos médicos enfiou um bisturi no peito de um dos pacientes que ainda se debatia. Os quatro casos considerados homicídios dolosos foram as mortes de José Miguel da Silva, Alex de Lima, Irani Gobo e José Faria Carneiro. Pela denúncia do MP, eles morreram após a retirada dos rins, que depois seriam levados para São Paulo, para uma rede de transplante de órgãos.
Os médicos recorreram ao Tribunal de Justiça para pedir a anulação do júri popular, sob a alegação de que houve cerceamento de defesa e que a decisão dos jurados teria contrariado as provas do processo, mas a condenação foi mantida pela 6ª Câmara de Direito Criminal em junho de 2021 – os desembargadores determinaram apenas a redução da pena, que passou a ser de 15 anos de prisão.
Além de não terem sido presos ao longo do processo, os três médicos continuaram com os registros ativos no Cremesp – eles podiam trabalhar normalmente porque foram absolvidos das acusações de tráfico de órgãos e de eutanásia nos procedimentos administrativos e éticos do Cremesp, em 1988, e do CFM (Conselho Federal de Medicina), em 1993.
Prisão.
O pedido para que fossem presos os três médicos partiu da família de uma das quatro vítimas, Alex de Lima. A solicitação foi feita no mês passado, logo após o STF (Supremo Tribunal Federal) decidir, em outro processo, que condenados por júri popular podem ser presos imediatamente. Após o julgamento do Supremo, finalizado em 12 de setembro, a família de Alex de Lima pediu que esse entendimento fosse adotado no caso de Taubaté.
Antes de analisar o pedido da família da vítima, o juiz Flavio de Oliveira Cesar, da Vara do Júri de Taubaté, consultou o Ministério Público, que foi favorável à imediata execução das penas. Os mandados de prisão foram expedidos na quarta-feira (16).