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Improbidade: MP denuncia Saud por compra do antigo Saad, em 2021

Por Julio Codazzi | Taubaté
| Tempo de leitura: 7 min
Divulgação/PMT
No antigo Saad, hoje funcionam duas escolas municipais - uma do infantil e outra do fundamental
No antigo Saad, hoje funcionam duas escolas municipais - uma do infantil e outra do fundamental

O Ministério Público ajuizou ação de improbidade administrativa contra o prefeito de Taubaté, José Saud (PP), por supostas irregularidades na compra do imóvel do antigo Colégio Saad, no fim de 2021.

Na ação, que irá tramitar na Vara da Fazenda Pública, a Promotoria afirma que "a desapropriação foi engendrada para atender a interesses de natureza pessoal do prefeito" e que houve "sobrepreço" de R$ 3,475 milhões.

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O MP pede que, ao fim do processo, Saud seja condenado à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos por até 12 anos e ao pagamento de multa equivalente ao valor do dano (que seria, segundo a Promotoria, de até R$ 25,38 milhões).

O MP também pede que a desapropriação do imóvel seja anulada e que Saud e os ex-proprietários do antigo Saad sejam condenados a indenizar os cofres públicos no valor integral da negociação, de R$ 21,933 milhões - no caso do prefeito, esse valor seria de R$ 25,38 milhões, pois contabilizaria também um gasto de R$ 3,44 milhões para a implantação de cozinha e refeitório no local, que hoje abriga duas escolas da rede municipal, sendo uma de ensino infantil e outra do fundamental.

Caso a Justiça não anule a desapropriação, a Promotoria pede que Saud e os ex-proprietários do antigo Saad sejam condenados a restituir, ao menos, o valor do suposto sobrepreço, de R$ 3,475 milhões. Para garantir as indenizações, o MP pede, em caráter liminar, que o prefeito e os integrantes da família Saad tenham os bens bloqueados.

Procurados pela reportagem nessa quinta-feira (4), Saud e os ex-proprietários da antiga escola negaram qualquer irregularidade (leia mais abaixo).

Desapropriação.

Na ação, o MP divide a denúncia em três supostas irregularidades. A primeira delas está relacionada à não realização de estudos preliminares para concluir que a desapropriação da escola seria "a medida mais adequada e proporcional" para solucionar o suposto problema enfrentado na rede municipal de ensino (a superlotação de salas de aula em nove unidades de ensino da rede municipal nos bairros Jardim Califórnia, Jaraguá, Água Quente, Jardim Santa Clara, Vila São Geraldo e Parque Urupês).

Segundo a Promotoria, "o processo expropriatório foi iniciado com base numa singela solicitação feita pela Secretaria de Educação no dia 23 de novembro de 2021, desprovida das informações técnicas mais elementares". Depois disso, de acordo com o MP, "a desapropriação prosseguiu em velocidade recorde".

"Em apenas uma semana, a administração providenciou certidões atualizadas das matrículas dos imóveis, certidões atualizadas das inscrições imobiliárias, planta do imóvel georreferenciado, memorial descritivo da área e o laudo de avaliação dos imóveis", destaca a Promotoria, que salienta que o "laudo de avaliação dos imóveis", que reúne todos esses documentos, tem data de 22 de novembro - ou seja, um dia antes de a Educação solicitar a desapropriação.

O decreto que declara o imóvel de utilidade pública para fins de desapropriação foi editado por Saud no dia 30 de novembro. De forma amigável, a aquisição do antigo Saad pela Prefeitura foi assinada no dia 8 de dezembro. "A formalização do procedimento de desapropriação visou apenas pôr no papel algo que já vinha sendo urdido silenciosamente nas entranhas do Poder Executivo de Taubaté, numa atitude reprovável, posto que atentatória ao princípio da publicidade dos atos administrativos", afirma o MP.

Motivação.

Na ação, a Promotoria também afirma que os motivos citados pela Prefeitura para justificar a desapropriação - ou seja, a superlotação de salas de aula nas escolas municipais dos bairros daquela região - "não eram integralmente existentes e/ou verdadeiros", "podendo-se afirmar, com certeza, que a superação do número de alunos por classe era irrisória".

Com relação às creches municipais, o MP aponta que, na época da desapropriação, "a maioria das unidades" dos bairros daquela região "não estavam superlotadas".

A Promotoria afirma ainda que, no ano de 2022, apenas 40 alunos que estavam matriculados anteriormente nas nove escolas dos bairros vizinhos passaram a estudar nas unidades de ensino infantil e fundamental que foram implantadas no antigo Saad.

"Parte dos fatos que constituem o motivo da desapropriação eram falsos (superlotação em salas do ensino básico); e a outra parte dos fatos, que tinha aparência de veracidade – lotação a maior em salas do ensino fundamental, mas que não revelava excesso –, não foram solucionados por meio ou após a desapropriação do antigo Complexo Escolar Saad", conclui o MP.

A Promotoria argumenta que, caso a Prefeitura tivesse realizado "estudos preliminares, necessários à identificação da necessidade pública e da melhor forma de superá-la", eles revelariam "que seria muito mais eficiente e econômico aos cofres públicos a mera reforma, mediante ampliação das escolas com lotação um pouco acima do adequado", e que "bastaria a construção de duas ou três salas de aula".

Sobrepreço.

Com base em parecer do Caex (Centro de Apoio à Execução), que é um órgão técnico auxiliar do MP e que fez uma vistoria no antigo Saad durante a fase de inquérito, a Promotoria concluiu que houve sobrepreço de R$ 3,475 milhões na aquisição do imóvel pela Prefeitura.

O Caex pontuou que os três laudos de avaliação do valor do imóvel, que foram apresentados pela Prefeitura, têm datas de 31 de maio (quase seis meses antes de o município oficializar a intenção de adquirir a antiga escola), de 29 de novembro e de 2 de dezembro (esse último, de dois dias após o decreto que declarou interesse de desapropriar o imóvel). O órgão técnico afirmou ainda que cada imobiliária emitiu laudo levando em consideração dimensões diferentes de área de terreno e de área construída.

Segundo o Caex, a opção da Prefeitura de fazer a avaliação do imóvel por meio de consulta a três imobiliárias "não condiz com as diretrizes" especificadas pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), que "recomenda que o levantamento de dados do mercado deve ser realizado por meio de pesquisa de mercado preferencialmente de negociações realizadas e ofertas com característica econômicas, físicas e de localização o mais semelhante possível do imóvel objeto do estudo".

Ao fazer a avaliação com base nas diretrizes da ABNT, o Caex concluiu que o valor do imóvel era de R$ 18,458 milhões - com isso, o MP aponta que a Prefeitura pagou R$ 3,475 milhões a mais do que deveria.

Interesses.

Ao fim da denúncia, o MP conclui que "a desapropriação do imóvel" era "oportuna e conveniente ao atendimento" dos "interesses particulares" de Saud.

Na ação, a Promotoria destaca que a família de Saud atuava na área do ensino e que o Saad "era uma de suas concorrentes" - entre 1993 e fevereiro de 2024, os pais do prefeito foram proprietários do Idesa, outro colégio particular da cidade.

O MP cita também que "os sócios do estabelecimento de ensino desapropriado são irmãos do ex-vereador" Chico Saad, que, assim como Saud, era filiado ao MDB na época da desapropriação.

Outro lado.

Em nota, o governo Saud afirmou que "aguarda a manifestação do Judiciário" e que a desapropriação do Saad "obedeceu todos os trâmites legais para a aquisição do prédio, procedimento que a administração adota desde 2021, obedecendo rigorosamente as leis e suas exigências".

A Prefeitura informou ainda que o prédio abriga atualmente 440 alunos (sendo 65 no infantil e 375 no fundamental) e que "tem espaço para suprir vagas que serão pleiteadas pela população em futuro breve". "Adquirir ou construir um prédio escolar somente com a necessidade pontual não é a visão deste governo – é preciso governar com um olho no futuro. Porque os munícipes vão cobrar, com razão, vagas para seus filhos", concluiu o governo Saud.

Os três proprietários do antigo Saad eram os irmãos Arnaldo Miguel Saad, Antonio Carlos Saad e Miguel Temer Saad Filho - todos são citados na ação pelo MP. Miguel não foi localizado pela reportagem. Antonio morreu no início desse ano, segundo a família. Já Arnaldo negou qualquer irregularidade. "Não houve nada errado. Foi vendido por menos da metade do valor. Se houvesse desmanche do negócio e a escola voltasse para nós, sairíamos ganhando", disse.

"Uma semana antes da pandemia, apareceu uma empresa com capital português e ofereceu R$ 50 milhões pela escola, mas meu irmão, o Miguel, não quis. Com a pandemia, perdemos cerca de 300 alunos. A escola entrou numa fria, teve que emprestar dinheiro no banco para pagar professor. Estávamos devendo R$ 8 milhões. Recebemos R$ 21 milhões pela venda, pagamos a demissão de mais de 100 pessoas, sobrou pouco para cada um [dos irmãos]. Para a Prefeitura foi um grande negócio, pagou menos da metade do que devia", acrescentou Arnaldo.

Chico Saad, que foi vereador de 1997 a 2012, negou qualquer relação com a desapropriação do imóvel. "Eu nunca fui dono da escola, era dos meus irmãos. Minha família é séria e perdeu dinheiro na venda. Outras empresas comprariam por preço maior. Meus irmãos nem estavam querendo vender, mas decidiram não brigar, estavam querendo descansar", afirmou o ex-parlamentar, que é pré-candidato a vereador pelo Podemos.

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