IDEIAS

Máquina de escrever em busca de Wi-Fi

Por Guilhermo Codazzi é jornalista e escritor, editor-chefe de OVALE |
| Tempo de leitura: 2 min

Remington Olivette.

Ao pé da letra, a vida de Remington tratava-se de um conto escrito  em caixa ‘alta’ e ‘baixa’ -- verdade seja dita, amigo leitor, mais baixa do que alta, tendo emoções mais minúsculas do que maiúsculas.

Fruto do tórrido amor proibido  entre um surrado telégrafo italiano, veterano da Segunda Guerra Mundial, e uma jovem datilógrafa inglesa, de cabelo ruivo cor de fogo e a  face suave salpicada de sardas, nosso Remington nasceu máquina de escrever.

Ok, parece loucura. Desculpe, no entanto, é preciso bater nesta tecla: Remington nasceu máquina de escrever no vilarejo de Rampazetto, nos fundos da oficina velha e abafada do taciturno Pellegrino Turri, perto do chafariz, ao lado da rua da feira.  

Diziam as más línguas, em geral aninhadas na bocarra de gente de bem, que Remington era a fotocópia, um xerox, da caixa registradora do armazém do vizinho...mentira! Nosso herói tinha o ‘tec, tec, tec’ do pai, de quem adorava ouvir histórias de espionagem no tempo de guerra.

Quando menino, depois de levar uma prensa da mãe, largou o sonho de ser músico -- tocava teclado lindamente -- e, após um curso rápido, formou-se em datilografia e, com justiça, ingressou na comarca local, ajudando a produzir milhares e milhares de páginas da história de Rampazetto.

No trabalho, com o perdão deste infame trocadilho, era uma máquina. A vida pessoal? Vaidoso, vestia-se de preto, tinha as teclas peroladas e fita sempre enfeitada. Nas folgas, batia longos papos com seu melhor amigo, o orelhão da praça -- como era bom ouvinte aquele sujeito discado!

Tudo parecia sob controle, até... até que o tempo, de ponteiros implacáveis, fez a ficha cair: Remington, antes indispensável, estava tornando-se obsoleto. Primeiro, vindo da cidade grande, chegou PC, o computador almofadinha -- verdadeiro trambolho sem charme ou estilo, dizia a  máquina de escrever, com indisfarçável inveja, enquanto fazia tipo tentando impressionar Faxine, uma fax por quem nutria um amor platônico, e sua irmã gêmea, Scanner. Ambas eram da família de PC.

Triste, Remington sentia-se isolado, desconectado. Rapidamente, foi aposentado e, sem conexão, perdeu contato com Faxine -- as suas inúmeras cartas não chegavam ao destino, naufragavam num universo de arrobas e e-mails. 

Todas elas diziam: ‘qual é a senha do Wi-Fi?’ 

Máquina de escrever buscando Wi-Fi, Remington vivia com (uma) puta dor no peito pelo amor extraviado. Tempo depois, foi trabalhar no museu. Lá, por anos, viu o que era o novo novo tornar-se o mais novo velho. Depois do computador, a internet e sua revolução à Gutemberg fizeram do pomposo PC uma sucata, assim como sua esposa, uma aeromoça que trabalhava como impressora a jato. 

Então, um milagre!

Também peça de museu, Faxine mudou-se e tornou-se vizinha de Remington. Hiperconectados, descobriram que, independentemente da tecnologia, o coração é analógico, uma máquina de escrever lindas histórias de amor... ah, e essa é a palavra: amor.  Essa é a senha do Wi-Fi de Deus.

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