Coq au vin


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Há três séculos já era conhecido nos vinhedos franceses, recebendo um nome de acordo com o terroir, tendo ganhado prestígio o de Bresse e o da Bourgogne, cujo vinho encorpado casava-se bem com a carne rija.
Há três séculos já era conhecido nos vinhedos franceses, recebendo um nome de acordo com o terroir, tendo ganhado prestígio o de Bresse e o da Bourgogne, cujo vinho encorpado casava-se bem com a carne rija.

“Saboreio com efeito certas palavras e de algumas pareço sentir uns como odores que correspondessem aos seus diversos sabores”

Gilberto Freyre, sociólogo brasileiro


Filho do célebre escritor Alphonse Daudet, íntimo de Flaubert, Zola, Maupassant e dos irmãos Goncourt, casado com a neta de Victor Hugo, elogiado por Proust, Léon Daudet era tão brilhante quanto rebelde. Extremamente polêmico e inquieto, ao exercer o jornalismo fomentou tantas reações agressivas que acabou exilado na Bélgica por dois anos. Conta-se que neste período, gourmet refinadíssimo que era, fazia ir de Paris o seu almoço, diretamente de um restaurante chamado Chez Mère Génin. A dona o preparava durante a noite, colocava-o numa vasilha bem fechada, envolvi-a em cobertores e entregava-a a um garoto que saltava do trem em Bruxelas com a encomenda ainda quente. Le coq au vin era a lembrança diária da França à qual Daudet não aceitava renunciar.

Prato de excelência, como filho bonito tem muitos pais. Mas é difícil estabelecer sua real gênese. É voz corrente no mundo gastronômico, que gosta de cultuar lendas, ter sido Júlio César quem o experimentou primeiro, por ocasião da conquista da Gália. Para celebrar uma vitória, teria pedido a seu cozinheiro que lhe preparasse um galo com vinho tinto e ervas aromáticas, convidando os gauleses para sua mesa. Os historiadores acham improvável. De certo mesmo é que há três séculos já era conhecido nos vinhedos franceses, recebendo um nome de acordo com o terroir, tendo ganhado prestígio o de Bresse e o da Bourgogne, cujo vinho encorpado casava-se bem com a carne rija.

As receitas deste prato são numerosas, porque cada região da França elabora de um jeito. O que não difere é o tempo que se leva no preparo: pelo menos dois dias, e não é tanto pelas horas que se gastam cozinhando o galo, símbolo da França desde o fim da Idade Média. O prato é construído em etapas, sendo inconcebível a um francês legítimo não marinar a ave por pelo menos doze horas. Muito menos admissível é não cozinhá-la por pelo menos outras duas, chama baixinha para que a carne fique tenra sem desmanchar-se ao toque dos talheres. Até meados do século passado não seria coq au vin se não tivesse a espessar o caldo o sangue do galo, o que aproximava a iguaria de nossa brasileiríssima galinha ao molho pardo. E o conhaque, quer dizer, Cognac, era imprescindível para flambar antes de levar a cozer, ou para integrar o rol dos temperos. Hoje o sangue só comparece em raras ocasiões; o galo foi trocado pelo frango; o destilado sumiu de vez; o tempo de preparo diminuiu consideravelmente. Mas o resultado, seguindo alguns procedimentos básicos, continua muito bom. Meu filho Junior, que se tomou de amores pela gastronomia, e tem feito pratos ótimos, noite dessas me chamou para um coq au vin que tinha improvisado. Pensei com os botões da minha blusa: “coq au vin improvisado?! Como assim?!” E fui. E gostei. Pois ficou muito bom, temperado na hora e cozido em ótimo vinho durante sessenta minutos, com direito a ciboulettes e batatas sautées como acompanhamento.

Mas, para manter a norma da coluna, vou com a receita oficial, que o leitor pode adaptar como quiser. Porque o bom de cozinhar é isso, poder ir mudando o jeito de fazer, acrescentando ou subtraindo ingredientes. E não me perguntem onde, que não vou contar a odisseia, mas achei o galo. Preparei a marinada misturando numa panela vinho, cebola, alho, cenoura, pimenta, cravo e levando a ferver por cinco minutos. Desliguei. Separei os temperos e reservei. O líquido despejei sobre a carne colocada numa tigela grande. No dia seguinte, retirei os pedaços, enxuguei com papel toalha. Fritei os pedaços em mistura de bacon, óleo e manteiga e os retirei para uma travessa. Joguei fora um pouco da gordura, refoguei os temperos da véspera, polvilhei farinha de trigo, mexi uns três minutos, acrescentei vinho e caldo de galinha. Quando ferveu juntei folha de louro por cinco minutos e retirei. Então mergulhei os pedaços de galo que ficaram cozinhando em chama baixinha por duas horas. Quando a carne se mostrou macia e o molho espesso, provei o sal e servi. Com cebolinhas caramelizadas e champignons na manteiga. Claro que me lembrei de Georges Simenon, o fecundo criador do inspetor Maigret, maior divulgador do coq au vin. E de Renato Russo, que o tinha como prato de eleição.


Ingredientes

Marinada

1 cebola média em plumas
1 cenoura média ralada
4 dentes de alho picados
2 pimentas dedo-de-moça sem sementes
3 cravos-da-Índia
1 folha de louro
1 colher (rasa) de sal
½ litro de vinho tinto seco

Outros
1 galo ou 1 frango grande ou 6 coxas
50 gramas de bacon
20 gramas de manteiga
20 ml de óleo
½ litro de caldo de galinha
1 colher (sopa) de farinha de trigo
Cebolinhas e champignons para acompanhar

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