OPINIÃO

Você nunca vai se sentir preparado(a)


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“Ah, doutor, mas isso eu não consigo fazer”,  disse para mim a cliente, deitada na maca do meu consultório, enquanto recebia as agulhas de acupuntura para a sua aplicação semanal.

Eu costumo fazer muito desta técnica, que desenvolvi ao longo de muitos anos em que aplico. Ao mesmo tempo que vou manipulando os canais de energia com a aplicação de acupuntura (o que é um estímulo para reorganizar os grandes sistemas orgânicos, como o nervoso, endócrino e imunitário) vou também conversando e fazendo estímulos através da via consciente, através da linguagem. Estímulo através da pele e através da escuta, ao mesmo tempo.

Uma ação costuma apoiar a outra, facilita sua assimilação e sustentação. Aí no caso, enquanto liberava o fluxo de energia do fígado que o rancor havia bloqueado, gerando dores de cabeça e indigestão, eu falava para ela parar de se doar excessivamente para as pessoas que a procuravam para resolverem os problemas particulares delas.

“Percebe que você sai do seu lugar quando procura resolver aquilo que não lhe cabe?”,  eu disse enquanto manipulava o terceiro ponto do canal do fígado, localizado no pé “ Tratar as pessoas como se fossem incapazes de tomar as ações necessárias para a própria vida as infantiliza e elas se colocam normalmente no papel de recebedoras, tal como crianças.”

“ ... E crianças, você sabe – disse eu completando - não sabem participar de trocas equilibradas. Não agradecem adequadamente, ficam sempre exigindo mais e se revoltam quando não recebem exatamente o que querem (que pode ser diferente daquilo que de fato precisam).”

“Pois é! – falou mudando a face para mim – Daí fico louca da vida porque estou passando mais uma vez na situação de ingratidão pelo que eu faço.”

Concordei enquanto agulhava o trigésimo-quarto ponto da vesícula biliar. “Porque não para com isso tudo então e coloca um limite?”, tive que perguntar.

De novo a paciente voltava na frase do início deste artigo. Notem que, por vezes, devido às ações de nossa própria autoria carregadas de boa vontade, mas feitas de um “lugar” indevido, o resultado é sempre essa oscilação entre a auto vitimização e o rancor.

Por vezes, a dificuldade em colocar os limites, seja para o nosso próprio desejo de ajudar ou para o acesso de outras pessoas aos nossos recursos, tempo e atenção reside no hábito de adotar sempre o olhar maternal e acolhedor, que sempre acha um espaço para acomodar tudo que surge.

Como diz o ditado: “Coração de mãe, sempre cabe mais um”. Só que nem sempre isso é saudável e se não for comedido, atrai relacionamentos abusivos.

Com o efeito de equilibrar existe o “polo” mais yang, mais masculino, que todos possuem independente do gênero. Nele o importante é se preservar na jornada e realizar a ajuda dentro do possível, sem se prejudicar. Existe abertura, mas a ingenuidade é cortada, pois dois no lugar em que só um se sustenta pode gerar a perda de ambos.

O polo mais feminino aguarda e pondera, o polo mais masculino seleciona e resolve. O equilíbrio de ambos é fundamental.

“Não sei se me sinto preparada para esse passo”, me disse a paciente. Aproveitei algo que já havia lido:

“Nunca vai se sentir preparada, amiga. Estar preparado não é um sentimento; é uma decisão que precisa ser tomada e sustentada, algo bem da energia masculina”,  completei colocando a última agulha na cabeça.


Dr. Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia

Comentários

2 Comentários

  • Luciana Garrido 29/11/2025
    Parabéns Dr Alexandre Martim, com sempre, nos enriquecendo e nos fortalecendo com seus artigos ! Como sua paciente , já vivi a experiência de uma transformação das minhas dores físicas e emocionais , tratadas com tanta sabedoria e experiência , gratidão! Certamente seus artigos também estão sendo um meio de reflexão e ajuda para muitos ! Parabéns !
  • Maria Cibele de Siqueira 28/11/2025
    1. Não espere gratidão pela ajuda que dá. Faça de coração apenas. 2. Saiba quando deve parar de ajudar, não queira interferir demais.