OPINIÃO

Salvem o desejo


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Houve um tempo em que fumar era considerado um hábito comum e inofensivo, até mesmo sofisticado. Na década de cinquenta, fumar era considerado elegante e fazia muito sentido fazê-lo se quisesse parecer bem aos olhos da sociedade.

Claro, já havia algumas pesquisas que apontavam a associação do tabagismo com alguns tipos de doença, como o câncer, contudo eram evidências não tão fortes e inquestionáveis quanto as que temos hoje. Havia também toda uma indústria bilionária no plantio e consumo do tabaco através do fumo que se valia de todas as estratégias disponíveis para a sua venda e propagação de produtos, como propaganda, merchandising e mesmo patrocínio de esportes sofisticados.

O hábito era tão disseminado que não era incomum encontrar médicos que fumavam, sob o pretexto de fazê-lo de forma controlada, dosada ou mesmo usar “apresentações” de cigarro menos prejudiciais à saúde. Claro que estes argumentos nunca resistiram a um olhar científico um pouco mais criterioso em provar que não existem níveis seguros de interação com o tabagismo que permitam desfrutá-lo sem prejudicar drasticamente a qualidade de vida.

Os anos se passaram e hoje é raríssimo encontrar um médico ou dentista que fume. Ninguém mais defende o cigarro de alguma forma e a indústria do tabaco, ainda muito forte economicamente, não pode fazer uso de propaganda explícita, tendo inclusive que ilustrar claramente, na embalagem de cada um dos seus produtos, as consequências daquele hábito para a saúde do seu usuário.

Escolhi o mês de novembro, dedicado ao cuidado da saúde masculina, o chamado “novembro azul”, para trazer aqui a minha opinião sobre algo que eu considero ser o “novo cigarro”:  a pornografia.

A exemplo do cigarro, a pornografia é fortemente difundida em nosso meio, de forma ampla e em quantidades absurdas, por conta da tecnologia de comunicação das redes sociais. Por trás dela existe uma forte indústria, com altos ganhos de dinheiro, que trafega dados (captados e roubados), propagandas e negocia acesso a amplo público consumidor com poder aquisitivo.

Enganam-se aqueles que acreditam ser algo que se pode assistir “de graça” e de “maneira anônima”. Na grande maioria são homens, contudo já existe pornografia voltada especificamente para mulheres.

Engano maior, entretanto, é achar que o seu uso é inofensivo ou que existem níveis “seguros” para seu consumo, bem a semelhança do tabaco. Crescente o número de jovens que vêm ao meu consultório com dificuldades de relacionar-se com seus afetos e atrativos, pois não sabem como obtê-los no mundo “real”.

Como poderiam? Condicionaram seus cérebros a se excitarem rapidamente, no espaço de tempo de alguns “clicks” no mouse de um computador, sem necessidade de envolvimento, dedicação, espera, carinho... aliás, nem mesmo afeto é necessário. Pornografia é o prazer claro e explícito, rápido, eficaz, inodoro, insípido e quase asséptico. Só que nada disso é real.

Não existem pessoas que realizam atos performáticos como nas telas. Existem seres com expectativas, receios e desejos que precisam ser conhecidos e descobertos com o contato real e quente do amor que aproxima duas pessoas. Na descoberta e convívio do oculto está o desejo e a sedução em que realizamos o nosso potencial masculino.

O pornográfico “achata” e nega esse desejo. Acredito que, em pouco tempo, o único “explícito” que iremos observar serão as sérias evidências que essa prática trouxe para nossa sociedade. Tal como o cigarro de outrora.


Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura médica e com formação em medicina chinesa e osteopatia 

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