Chegou ao meu conhecimento, esses dias, uma anedota que achei curiosa a princípio, mas me produziu grandes reflexões. Tal como mágica, ela começa inocente como uma cartola preta reluzente para, depois de um floreio com as mãos, revelar em seu interior o coelhinho branco de olhos avermelhados.
A história veio de uma observação de como riem as princesas das animações cinematográficas, adaptações em “desenho animado” das fábulas clássicas. Todas riem discretamente, se escondendo, retraídas com as mãos delicadas protegendo a boca exposta. Bem, isso porque era marca de boa educação para “moças” da nobreza não serem escandalosas no seu riso.
Ruidosas e espontâneas, no entanto, são as risadas das ditas “bruxas”, retratadas nestas mesmas adaptações como representantes do mal e antagonistas dos heróis e heroínas bem-educados. O cenário começa ficar um pouco mais sério quando verificamos que, em muitas vezes, a bruxa “aparece” rindo quando vai fazer algo nefasto para a “moral e os bons costumes”.
Essas adaptações aparentemente inocentes carregam a possibilidade de criarem mensagens subliminares contra algo que apavora, há tempos, uma sociedade baseada em valores masculinos deturpados: o feminino “indomável”. O descontrole e a espontaneidade são associados com o caos e perdas.
Seria uma divagação da minha parte? Opinião tendenciosa? Bom, vamos observar quem eram consideradas as bruxas de tempos “menos civilizados” que o nosso e como elas viviam.
Em geral, se encontravam à margem da sociedade. Mantinham relações com suas comunidades, mas ao mesmo tempo se conservavam independentes. Recusavam-se a pertencer a grupos que procuravam dominá-las ou empregá-las de uma dada maneira, porque reconheciam que, para cada “comodidade” existe um preço e que a liberdade de opinião e de existência é uma taxa muito alta para ser cobrada por uma condição de maior aceitação social.
Eram parteiras, curandeiras, detentoras de conhecimentos sobre plantas e animais. Fiéis a linhagem de quem as ensinou, dispunham os seus serviços a quem elas mesmas julgavam justos e necessitados, sem jamais se vender para autoridades não reconhecidas por elas.
Tomar “as rédeas” da sua vida, tornar-se livre nas suas ações é enfrentar o desprezo de uma sociedade que se acomoda na concessão de opiniões e desejo em troca de uma falsa segurança. Admiro a coragem destas mulheres que fizeram isso no seu tempo e enfrentaram todo tipo de represália, tiveram que se ocultar e, claro, serem alvo de escárnio.
Imagine um médico de inteligência brilhante que gostaria de questionar alguma abordagem para uma doença patrocinada por alguma indústria farmacêutica bilionária? Tarefa simples para uma voz solitária enfrentar detentores de grande poder econômico?
Claro que não. Agora, vejam que para o exemplo criei uma hipótese na sociedade “civilizada” do nosso tempo. Vejam que usei um homem médico para exemplificar.
Isso dá a devida perspectiva da força e a coragem destas mulheres que escolheram o caminho por si mesmas, optando por “carregar” uma luz, mesmo que, para isso, convivessem com o risco de se queimarem com o calor que ela irradia. Algumas até literalmente.
Fica aqui minha reflexão e homenagem, esperando ter ao menos um pouco da coragem que elas ensinaram com o exemplo durante a caminhada na vida.
Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina tradicional chinesa e osteopatia