OPINIÃO

Enfermidade: entre o desequilíbrio e o caminhar


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Aos cinquenta anos de idade e com vinte cinco anos de exercício da medicina, me considero uma pessoa muito afortunada no que a vida me oferece. Por todo esse tempo tive o privilégio de conhecer pessoas que, por estarem passando dificuldades com sintomas de doenças, precisaram de ajuda técnica e terapêutica para “superarem” as doenças que enfrentavam.

Em alguns, eram sintomas mais leves e, em outros, eram terríveis e ameaçadores da vida. Claro que em alguns eu acompanhei a terminalidade da própria vida, mas, em tantos outros, tive a felicidade de ver o alívio da condição aflitiva bem como o surgimento de uma nova pessoa, tal como um renascimento.

Por essa visão e compartilhamento, sou muito grato. Trata-se do prêmio do que eu considero ser a verdadeira medicina.

Claro, tudo muito bonito de ser lido quando escrito dessa maneira, quase poética sobre um mal que nos aflige. Ao vestir a pele de cada um destes que carregavam dores e sequelas das circunstâncias doentias o que se sente é uma realidade de desespero, solidão e por vezes injustiça por estar sendo subtraído de algo que se julgava ser próprio e abundante: o tempo de vida.

Sei bem disso também, pois tratar é se colocar um pouco na pele de cada um que lhe procura, para que se tenha a compaixão necessária ao processo de cura de uma enfermidade.

Aliás, interessante essa palavra, “enfermidade”, já notaram-na? Vem do latim, significando “aquilo que lhe tira a firmeza”, ou seja, o que impossibilita a retidão, o estar bem. A cura denota o expurgo daquilo que lhe tirava o “equilíbrio e a firmeza”, em um sentido metafórico.

Contudo, minha contribuição aqui, é dizer que o equilíbrio readquirido pelos meus pacientes curados era diferente daquele que eles perderam. A pessoa que eu vejo “surgir” depois de uma doença é diferente daquela que existia antes de adquiri-la.

Eu tenho a tendência de acreditar que o desequilíbrio e caos provocado pelo inesperado advento da doença, manifesto na impossibilidade de se fazer os hábitos de sempre, comer “o de sempre”, até mesmo pensar “como sempre”, é, na realidade, o essencial e disruptivo para um ajuste de rota para a vida.

Tal como no caminhar, o ato de dar um passo passa primeiro por um momento de fundamental desequilíbrio em “cair” para frente, sendo imediatamente remediado pela perna que se coloca a frente do corpo “em queda”. Tão frequente esse ciclo que o fazemos sem damos conta de que estamos caindo a cada passo para nos recuperarmos um pouco mais à frente do que estávamos antes.

Agora em outubro, estamos mais uma vez na campanha de conscientização e prevenção do câncer de mama. Essa doença, que já vi mutilar e mesmo abreviar a vida de muitas mulheres valorosas, assombrou seus portadores e mesmo a sociedade, que assistiu o seu aumento simplesmente pelo fato de lidar com doenças da intimidade feminina não era aceitável.

Lembro-me, nos tempos da faculdade, de várias pacientes que iniciavam os tratamentos com quadros bem adiantados, mamas já com retrações e ferimentos bem aparentes, quando perguntadas por que demoraram tanto a buscar ajuda, simplesmente diziam:

- Tinha vergonha.

Acredito que toda a campanha que sucedeu depois, trazendo para a tona não somente a conscientização, mas também a beleza e delicadeza da beleza do feminino associado à forma da mama, tratou bem mais que o câncer:  devolveu a humanização para a sociedade toda, homens e mulheres.


Dr. Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia

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