Creio que a medicina psicossomática, que integra o corpo e a mente no estudo das “doenças” tem muita similaridade com a medicina chinesa, de onde veio a minha especialidade médica. Estudar a ambas me faz olhar as queixas dos pacientes sob outra perspectiva e, neste último mês, uma condição correlata à obesidade chamou a atenção deste meu “olhar”, o lipedema.
Sendo um pouco simplista, nesta patologia ocorrem acúmulos de gordura sob a pele, deformando a silhueta e causando distúrbios de circulação linfática e inflamação no local. Existe uma propensão genética e preferência pelo gênero feminino: as flutuações de hormônios em certas épocas da vida, particularmente na menopausa, desencadeiam o processo de deposição, principalmente no quadril e nas pernas.
Esse meu olhar não aceita que isso ocorra por “acaso”. Aprendi estudando meridianos de energia que existe um invisível que sustenta o palpável, o tangível. O que essa “propensão genética” reflete? Que mensagem ela carrega? Por que a flutuação de hormônios desencadeia um processo deformante? Encarar isso somente como um “erro metabólico” sempre soou simples demais para mim.
Volteado destes pensamentos eu mexia na minha rede social quando surgiu uma notícia intrigante: além dos humanos, somente duas espécies de baleias (nossos equivalentes oceânicos em inteligência e sociabilidade) tinham entre suas fêmeas o evento da menopausa.
Só que na sociedade delas, o evento representava o reconhecimento da sabedoria e longevidade da fêmea e ela se tornava imediatamente líder do seu grupo, guiando-o pelos oceanos.
Surpreso, enviei de pronto a informação para uma amiga da minha idade, também profissional da saúde e estudiosa. Ela me respondeu dizendo achar a notícia poética, mas irreal, pois a menopausa para tantas mulheres é marca de sintomas e desconfortos diversos, desde distúrbios de memória até alterações de colesterol, perda de libido, depressão e, claro, obesidade.
“Talvez baleias não sintam tudo o que nós (humanas) sentimos” – concluiu ela, depois de uma lista enorme de dissabores. Isso só me intrigou mais. Por que vivemos uma experiência tão diferente, sendo que sistemas biológicos vêm de uma mesma fonte, com objetivos basicamente semelhantes?
Não tenho uma resposta definitiva para a questão, somente hipóteses e modelos. O tecido conectivo é um arcabouço protetor para nossa integridade. Flutuações de hormônios femininos ocorrem em períodos da vida onde fica evidente para a mulher um “chamado da natureza” para assumir (ou deixar) um potencial grande da sua feminilidade e maternidade.
Quando a feminilidade, em seu surgimento simbolizado nos quadris largos e pernas torneadas se tornaram um “risco” para as meninas que se tornavam mulheres? Quando a perda de uma condição de reprodução poderia significar perda de representatividade social?
“Desde sempre” – veio a resposta a minha mente. Em uma sociedade patriarcal com histórico de tornar o feminino objeto de uso (e descarte) sempre foi um risco ser mulher. Se expor como mulher. Aliás, se expor de qualquer forma.
“Sinto muito, amiga, que você e outras tantas tenham que passar por tantos incômodos” - pensei alto, falando para mim mesmo referindo-me à violência psicológica ainda imposta pela pressão social, que demanda nas percepções e possivelmente nos corpos produzindo sintomas tão nefastos.
“Talvez, de fato, baleias não se sintam assim. Talvez elas se sintam felizes por terem reconhecimento e oportunidade de serem cada vez mais ativas” - conclui. Claro, isso em um outro tipo de sociedade.
Dr. Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em osteopatia e medicina tradicional chinesa
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Maria Cristina Imamura 03/10/2025Nós faz pensar e ver o quanto a sociedade pressiona os acontecimentos e os valores não são reconhecidos! Muita coisa ainda precisa mudar…