OPINIÃO

Por quem você precisa comer?


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Antes de “criar” um sistema nervoso “central” com áreas para raciocínio e linguagem, úteis para o processamento de informações do ambiente e formação de inteligência, o “plano diretor do fenômeno vida” preferiu constituir os primeiros seres vivos a partir de um sistema digestivo, depois de um reprodutivo, seguido por mecanismos de proteção a sua integridade… assim por diante.

Em um momento em que a ciência nas suas vertentes de pesquisa foca no aparelho neurológico como detentor de todas as respostas para nossas angústias, é praticamente uma heresia digna de uma condenação escrever isso. A linha do tempo da evolução, no entanto, mostra que o raciocínio e a consciência são os “filhos caçulas” dos sistemas orgânicos: bonitinhos, todos gostam deles, mas têm a “mania” de se acharem grandes e mandarem nos mais velhos.

Para que estruturas mais novas e sofisticadas chegassem a existir, significa que as estruturas primordiais (nome melhor que “primitivas”, na minha opinião) foram vitoriosas diante a pressão evolutiva do ambiente, milhares de anos antes. Acredito que exista uma “consciência” sutil e energética destes sistemas, atuante até hoje, embasando a nossa consciência neurológica comum.

Alguns podem chamá-la de intuição, outros de instinto, outros ainda de “sombra” e eu acredito que “inconsciente e subconsciente” são termos que possam caber muito bem na descrição desta força organizadora que nasce conosco e está presente em cada célula do nosso corpo.

Vamos para um exemplo curioso desta força atuando: na Holanda, descendentes de sobreviventes do holocausto judeu foram comparados com seus “equivalentes” em idade e hábitos de vida, principalmente no quesito de sobrepeso e diabetes do tipo 2.

Esta doença está ligada à obesidade e a várias propensões genéticas que manipulam o sistema de controle entre fome e saciedade, gerando algumas tendências em comer muito e estocar energia no próprio corpo.

As pessoas que foram estudadas nunca passaram fome na vida, o que, em uma primeira vista, torna esse tipo de disposição genética algo no mínimo inútil ou errônea. Contudo, os ancestrais de todos eles realmente passaram por uma grande escassez e infelizmente assistiram muitos de seus entes e amigos morrerem de fome, exaustão e doença.

Homens, mulheres e crianças prisioneiros de campos de concentração nazistas foram abandonados para morrer de fome e inanição, sentindo diariamente a ameaça pela própria vida e dos seus familiares.

Dada a incidência tão aumentada entre os seus descendentes de doenças que seriam “vantagem” para um indivíduo em um período de carência de alimentos, podemos inferir que de alguma forma, eles “perceberam” o risco que seus avós passaram. Eles vivem sob a influência da dor deles, ainda que ela lhes seja inconsciente.

Eles verdadeiramente acreditam que comem bastante porque gostam disso, em particular doces e outros petiscos calóricos. O ponto de vista que o estudo tenta tornar mais observável é que talvez eles sintam prazer com estes hábitos, pois assim estão em alinhamento com a herança vital de seus ancestrais, criando uma forma de “lealdade” em retribuição do “sacrifício” de dor que eles sentiram.

Onde estaria localizada essa sensação de lealdade que mexe com o corpo, apesar do desconhecimento da mente consciente? Aparentemente armazenada no código genético de células do fígado, pâncreas e mesmo de células gordurosas, todas espalhadas pelo corpo.

Dr. Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina tradicional chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)

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