OPINIÃO

O nosso “enchimento”


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Vamos começar com um pequeno exercício para sensibilizar uma percepção? Imaginem-se diante de uma foto de vocês mesmos, de corpo “inteiro”, como se estivessem diante de um espelho grande.

Agora, com o poder mental, manipulem a imagem retirando “camadas” de tecido orgânico do qual esse corpo físico é composto; então retirem da imagem todos os sistemas exceto o nervoso, com o cérebro e seu feixe na coluna.

O resultado vai ser algo semelhante a um pinheiro, uma “árvore de Natal”, na posição invertida. Apesar do nosso sistema nervoso ser por muitos considerado a “sede” única da nossa consciência, ele, isoladamente, não seria identificado como um ser humano.

O mesmo exercício pode ser feito selecionando para ficar somente o sistema vascular, composto do nosso coração, artérias e veias. O resultado será algo parecido com uma rede, trançada de forma tortuosa, com fios mais calibrosos no meio e mais finos nas pontas. Pouco provável ser reconhecido como algo “humano”.

Estranho e divertido, não é? Eu tive uma experiência como essa quando comecei a estudar anatomia, no começo da minha faculdade. Na época não havia tecnologia para fazer isso “virtualmente” e um anatomista famoso o fez através de dissecção clássica, um trabalho gigantesco.

O interessante deste exercício é que o único tecido capaz de “nos representar”, gerando uma estética reconhecida como humana quando separado dos outros, é o tecido conectivo, com todos os seus “volumes” de gordura.

Há muito sabe-se que a mal afamada “gordura localizada” não é simples depósito de energia. Trata-se, no conjunto, de um tecido metabolicamente ativo e participante da rede de controle hormonal do corpo, desempenhando vários papéis além do óbvio de “reserva” energética e suporte físico que, convenhamos, é bastante extraordinário.

Dar forma reconhecível já é muito importante. Na medicina tradicional chinesa a energia que é capaz de materializar e formatar o abstrato é relacionada ao órgão baço e ao pâncreas, que regem também o tecido conectivo e o gorduroso, aquele mesmo que nos molda com nossa “roupagem” humana.

Quando em disfunção, a energia destes órgãos influencia no sistema endócrino e no metabolismo do açúcar e dos carboidratos, potencialmente contribuindo para a diabetes e a obesidade. Esta última, dentre os vários aspectos, se caracteriza por alterar a forma corporal, de forma generalizada ou localizada, engordando partes específicas, como o tórax e abdômen (obesidade andróide), os quadris e as coxas (obesidade ginóide).

Claro que o acúmulo de gordura suficiente para “deformar” uma forma típica humana tem um custo para ser formada e mesmo sustentada. Como já dito, grandes sistemas têm que se modificar quase de permanentemente para manter essa condição.

Dado a importância da silhueta em um ser vivo e o tecido gorduroso o seu principal contribuinte, me pergunto se essas modificações não possuem um viés simbólico, além de sua causa fisiológica, alinhando-se com o subconsciente como uma forma de sua expressão.

A visão psicossomática contribui com essa ideia, sugerindo que o tecido “de preenchimento” tem preferência por se acumular em regiões que simbolizam aspectos que preferimos expressar de maneira “velada”, pois podem representar fonte de conflitos com crenças e traumas anteriores.

Quadris e coxas “obesos” podem proteger uma mulher de uma sexualidade exagerada e pouco aceita, por exemplo.


Dr. Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina tradicional chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)

Comentários

1 Comentários

  • SILVIA 05/09/2025
    Muito bom. Parabéns. Queria ler mais.