OPINIÃO

Os pais que nós criamos


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Imagine uma tribo, um assentamento indígena, no meio de uma floresta tropical em algum lugar do mundo. Veja o cenário, rodeado de árvores majestosas, altas e de tronco imponente, inúmeras, se misturando até que a imensidão e a penumbra se confundam, distantes.

Já ao cair da noite, mulheres estão ocupadas organizando o lugar, preparando a comida em duas fogueiras tímidas que fornecem calor e luz para o que, logo, será a mais profunda escuridão coberta de sons noturnos do desconhecido. As crianças menores, pouco vestidas ou nuas, ficam atentas para se manterem próximas das mães, que por sua vez, têm seus bebês presos ao peito, fortemente, com tecidos enrolados nos próprios dorsos

Perto, mas nem tanto, estão os jovens da aldeia, adolescentes com os corpos visivelmente mais desenvolvidos, alongados pelo estirão do crescimento e no rosto já os primeiros sinais da barba, marcas masculinas em uma face outrora redonda e infantil.

De repente, uma algazarra, gritos e brados vêm do escuro da noite. Guerreiros, usando máscaras dos animais sagrados surgem dos vãos das árvores. Armados de lanças, clavas e girando cordas no ar, parecem possuídos por uma força incontrolável.

As mães protegem os menores, que correm para elas, mas os maiores ... ah, esses são arrastados e levados para a escuridão da noite e as mulheres não puderam fazer nada por eles.

Não se preocupem, eles irão ficar bem. As mães já sabiam que isso iria acontecer, cedo ou tarde. Elas não fariam oposição (verdadeira) à captura dos seus varões. Os guerreiros que surgiram da mata eram os próprios homens da tribo, muitos deles pais dos adolescentes “raptados”.

Descrevi o início de um ritual de iniciação de índios de uma tribo da Oceania, mas o fenômeno ocorre no mundo todo, com suas devidas adaptações sociais. Diferente das meninas, que são chamadas pela natureza a serem mulheres com o advento da primeira menstruação, os meninos precisam de um processo ritualístico para que se apercebam como homens.

Os responsáveis por isso, normalmente são os homens já iniciados, ou seja, seus pais. Os meninos, em meio ao medo e insegurança, irão aprender sobre as caçadas, os espíritos dos animais e como respeitá-los para que possam matar de forma decente e, mesmo diante do “perrengue” em que estão, irão se “salvar” e emergir confiantes de si, reconhecendo-se como portadores de uma força própria, vinda também da terra e do céu, mas de uma forma diferente.

Com certeza trarão alguma “lembrança” do processo, um objeto ou mesmo uma cicatriz, símbolo do comprometimento em defender a própria sociedade. Criarão laços entre si e, não raro, aqueles outrora estranhos, se tratarão como irmãos e poderão morrer uns pelos outros.

Hoje, no século XXI, esses rituais são muito resumidos, discretos, geralmente escondidos em ritos de crisma, bar mitzvah ou afins. Contudo, a necessidade de formar homens, criar consciência para usar a própria força, continua fundamental.

Cabem aos pais mostrarem aos filhos sobre a real face da vida, com suas bênçãos e maldições. Mostrar-lhes o custo de cuidar de um lar, mas ao mesmo tempo o valor que isso representa. Ensinar-lhes serem admirados pelo valor das ações e não pelas aparências.

Por uma sociedade mais madura e justa, advinda de uma consciência mais ampla e adulta, cumprimento meus colegas, homens e pais, no dia que nos lembra desta nossa tarefa.


Dr. Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina tradicional chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)

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