OPINIÃO

Urina e territórios


| Tempo de leitura: 3 min

Luke, um simpático bull terrier caramelo, tem uma rotina bem semelhante todos os dias, pela manhã; Ao acordar, bate na porta do quarto do seu tutor (o doutor que lhes escreve) com as patas dianteiras para alertar que já é hora de se levantar. Alguns minutos depois recebe a primeira refeição do dia, com um acompanhamento de água fresca e, mesmo que ainda não tenha amanhecido completamente, vai para a porta de saída, esperar a coleira para iniciar o passeio.

Naturalmente eu o acompanho na breve caminhada, de fundamental importância para ele, onde realiza algo que é muito típico em cães: urinar em vários pontos ao redor da nossa casa. Caso detecte o odor de algum outro cão que tenha passado por ali, o volume de urina no local é dobrado.

Muito notável, portanto, como o gênero canino faz uso da própria urina e o aparelho urinário (bexiga, uretra e afins) para algo além da função de expurgo de dejetos tóxicos do organismo, com baixo custo do recurso de água – esta é, de fato, a definição e o motivo fisiológico da urina existir – eles a usam como uma forma de marcação, para tornar algo que é comum em coisa que lhe é própria. Quase como “tomar posse” de onde urinam.

Todos os mamíferos que desenvolveram vida em grupos, aliás, acabaram por associar a micção (que é o nome do ato de urinar) para estabelecer um marcador de território, um recurso para dar maior clareza aos relacionamentos entre indivíduos, “de dentro” e “de fora” dos grupos.

Luke, com o seu ritual, deixa uma marca de substâncias químicas que lhe são tão particulares e que diz: “Este é o espaço da minha matilha! Respeito quando andar por aqui!”.

Eu e o meu “narigudo caramelo” compartilhamos, ao menos em parte, da mesma lógica evolutiva pois temos alguma proximidade genética que nos faz “animais sociais e mamíferos”. Claro, eu não uso outro lugar que o meu banheiro, tanto na minha casa quanto o meu consultório, para aliviar a minha bexiga, porém, o fato é que essa estrutura de armazenamento foi criada também para deixar claro que esses lugares são meus como uma extensão do meu ser, produtos do meu trabalho e força de vida, assim como a urina é um derivado muito particular do meu metabolismo.

Apesar do ser humano moderno não necessitar mais deste mecanismo para delimitar o seu “espaço” no mundo, a rede neural e genética para fazê-lo existe e ainda funciona. Particularmente, em situações em que não temos a plena consciência de que o nosso “território” está sendo invadido, esse sistema pode ser ativado por uma percepção subconsciente, criando uma “tendência” a inflamação no aparato urinário.

Essa é uma condição que em princípio é útil, pois leva o individuo ter o desejo quase constante de urinar, aumenta o odor da urina e outras características que seriam as ideais para colocar ordem no próprio espaço. Contudo, se somarmos essas tendências a algumas outras predisposições como bexiga “caída” e baixa hormonal, os sintomas resultantes podem ser mais incômodos do que úteis, gerando a infecção urinária de repetição.

O público feminino, de meia-idade, é particularmente suscetível a esse quadro. A resolução para a medicina contemporânea é o tratamento com antibiótico, pelo tempo que for necessário, o que pode chegar a meses.

Minha experiência mostra que esse tempo pode ser abreviado e os resultados saírem muito melhores se a paciente tomar consciência daquilo que interpretou como “invasivo” a sua soberania em algo importante da sua vida, que julgue ser seu território e fazer algo para efetivamente resolver, cessando a necessidade do corpo “alertá-la” do perigo através do sintoma urinário.


Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina tradicional chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)

Comentários

1 Comentários

  • Sueli 01/08/2025
    Faz todo sentido... já passei por isso.