OPINIÃO

Trocando lágrimas por empatia


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Diante de assombro e algum grau de reprovação, manifesto em forma de silêncio tenso, eu tive que reafirmar em voz de bom tom: “Não, nós homens não temos ideia da extensão, física e psíquica, deste processo”.

O clima ficou um pouco tenso no ar, pois éramos um grupo de médicos onde praticamente todos eram homens, à exceção de duas colegas, todos conversando no período após o almoço, há “longínquos” 25 anos. Tratava-se de um grupo de “colegas” que estavam estudando para se tornarem especialistas em acupuntura.

Havíamos atendido a manhã inteira no ambulatório-escola e nos recordávamos do atendimento de um caso peculiar que chegara para iniciar um tratamento: uma senhora de meia-idade, com silhueta esbelta, cabelos curtos e um tanto sorridente, mas, ao olhar mais atento, revelava-se devastada emocionalmente, com ansiedade e um grau de insônia que a impedia de dormir uma noite inteira há praticamente um ano.

Ela conta que acordava várias vezes a noite, banhada em suor e com taquicardia, sentindo as famosas ondas de calor, sintoma típica do climatério, anunciando a menopausa que nela já se manifestava também com irritabilidade que nunca havia experimentado na vida.

Conforme a acompanhávamos na sua descrição da sua história, tivemos que auxiliá-la com lenços de papel, pois as lágrimas foram muitas. Ela dizia que nunca fora tão emotiva assim, no entanto, uma “onda” de insegurança tinha invadido a vida dela de uma forma coincidente com o climatério, atrapalhando em todas as suas áreas da sua vida. Tinha dificuldades com o trabalho, onde tinha perdido o foco e a criatividade. Sentia-se drenada e sem energia mesmo para as atividades que lhe davam prazer, como sair para ir jantar fora ou ao cinema.

As limitações tinham assumido um nível perigosamente insuportável quando o relacionamento com o seu marido, já desgastado, ameaçava ruir, diante do desânimo geral que sentia, inclusive com perda de libido e, o contato que antes era prazeroso, se tornara motivo de dor e incômodo, provavelmente pela atrofia de mucosas e hidratação da pele ocasionados pelos baixos níveis hormonais.

Lembro-me que pensei, na época: “Nossa, para ela se abrir dessa forma com um grupo de médicos que acabou de conhecer, deve estar desesperada”. Bem, eu estava certo. Tentara de tudo, desde alimentação e até mesmo yoga. Ela concluiria o seu discurso que “éramos a sua última esperança”.

A “resenha” do caso, que discutíamos entre nós após o nosso almoço, era que talvez fosse um exagero culpar o climatério por todas as coisas que ocorriam na vida dela, de relacionamento à profissão. Foi neste ponto que eu acabei sendo o contraponto masculino da mesa, dizendo a frase que iniciei a coluna.

Desde então, só tive confirmações para a frase que saltou da minha boca naquele dia: a mudança da menopausa pode ser algo tão extraordinário para uma mulher quanto a borboleta o é para uma lagarta. O gênero masculino não passa por nada semelhante a isso, normalmente.

Então, eis um bom início: o reconhecimento de que não se sente verdadeiramente as dores e desafios do processo de menopausa abre caminho para a empatia que, por sua vez, remove exigências inadequadas sobre comportamento feminino que não levam em conta sua verdadeira natureza.

Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)

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