
"Os sobreviventes invejariam os mortos"
Nikita Kruschev, primeiro-ministro soviético
Brasileiros que somos, acompanhamos guerras e conflitos que acontecem no mundo, com indigesta frequência, quase como se fossem um filme ou série, uma mera abstração ficcional que não nos impacta nem atinge – pelo menos, não diretamente. Bombas que matam milhares na Faixa de Gaza, mísseis que destroem instalações em Tel Aviv, ataques de Israel ao Irã e contra-ataques deste, hostilidades crescentes na Caxemira, região em disputa entre Índia, Paquistão e China, nada parece preocupar muito o brasileiro médio, que segue sua vida, sua luta, sua jornada como se nada disso fosse da sua conta.
Quando se posicionam, no mais das vezes, é para mimetizar a mesma cansativa divisão que vemos se manter inalterada no país – se o sujeito é “conservador” ou de “direita”, está ao lado de Israel ou de quem identifica como detentor dos mesmos princípios. Se é “progressista” ou de “esquerda”, tende a apoiar os países árabes, justificando suas ações também violentas como legítima reação ao “império opressor”. São “opiniões” superficiais, invariavelmente sem conhecimento mais profundo que as balize, e refletem apenas a polarização em que nos metemos.
Nem mesmo o recente ataque dos Estados Unidos ao Irã, ação com potencial para impactar o mundo severamente, parece ter sido percebida em toda sua dimensão pela imensa maioria dos brasileiros. A operação, batizada com o nada sutil nome de “Martelo da Meia-Noite”, usou sete bombardeiros B-2 Stealth (um morcegão que parece saído de um filme do Batman) e mais um submarino para atingir três instalações nucleares do Irã em Fordow (a principal, encravada debaixo de montanhas e onde o regime dos aiatolás mantinha 3 mil centrífugas usadas no enriquecimento de urânio, etapa fundamental para desenvolvimento de bombas atômicas), Natanz e Isfahan.
Deixemos de lado as avaliações sobre o acerto – ou erro – da ação americana, mesmo porque não há heróis nem vilões nesta história. Não cabe qualquer maniqueísmo – nem os Estados Unidos são o mal absoluto, nem o regime dos aiatolás é vítima inocente. Como quase tudo na vida, a situação era complexa, as decisões, igualmente desafiadoras, e as consequências, ainda imprevisíveis.
Haverá desdobramentos inevitáveis, como o aumento do preço do combustível, a crescente tensão no mundo, a maior instabilidade na região do Golfo Pérsico e uma significante redução da sensação de segurança em toda parte, porque na era da “diplomacia do porrete” inaugurada por Trump, seria infantil imaginar que alguém vai apanhar, agradecer e ainda ficar quieto, sem reagir. Isso não vai acontecer.
Mas convido o leitor a um outro exercício, negligenciado pelo mundo nas últimas décadas mas que ganha renovada relevância diante de um ataque militar perpetrado pela maior potência global contra instalações militares de uma teocracia encravada na região mais instável do mundo, e onde outras superpotências, como Rússia e China, têm interesses e temores.
O que aconteceria agora se o conflito regional descambasse para uma guerra global? Quais seriam os efeitos no mundo? O que acontece se alguém disparar um míssil com uma ogiva nuclear contra os Estados Unidos ou a Rússia? Como seríamos atingidos? Quão distante estamos disso? E o que viria a seguir?
Ninguém deu respostas tão completas e perturbadoras para estas questões quanto a jornalista americana Annie Jacobsen, 51 anos, colaboradora do jornal L.A. Times, duas vezes finalista do Pulitzer (a maior premiação do jornalismo mundial) e especialista com mais de 30 anos de experiência na cobertura de assuntos de defesa.
“Guerra Nuclear: Um Cenário” é um soco no estômago em formato de livro, lançado por Jacobsen em 2024, e que pretende responder a estas perguntas, a partir de uma premissa básica: o que aconteceria se um país lançasse uma ogiva nuclear contra os Estados Unidos? Como reagiria a cadeira de comando? O que esta resposta provocaria?
A obra de Jacobsen é densa e profunda, como o assunto merece, e deriva, além da sua experiência, de respostas que obteve após dezenas de entrevistas com generais americanos, especialistas em Defesa do Pentágono, cientistas, responsáveis por lidar com tragédias, e por aí vai.
A conclusão, aterradora, é que o equilíbrio de forças é tão precário diante da perspectiva de uma hecatombe nuclear que apenas 72 minutos separam a humanidade do instante de uma ação insana até sua própria aniquilação. Sim, a depender da sequência de eventos, pouco mais de uma hora nos separam da extinção.
No livro, Jacobsen narra o que aconteceria, minuto a minuto, se um imbecil como Kim Jong Un, líder da Coreia do Norte, acordasse de mau humor, com diarreia ou alguma manifestação aguda de síndrome persecutória, pouco importa a razão, e decidisse disparar um míssil intercontinental contra o Pentágono, em Washington, capital americana.
A partir do instante em que a Coreia do Norte lança um míssil intercontinental em direção aos Estados Unidos — no caso do livro, um Hwasong-17 equipado com ogiva nuclear e direcionado ao Pentágono — o relógio do fim do mundo começa a correr depressa.
Nos primeiros cinco minutos, radares americanos detectam o lançamento, confirmam que não é um exercício e disparam todos os protocolos de emergência. O presidente dos Estados Unidos, Trump ou quem quer que seja que ocupe o Salão Oval, é evacuado, levado às pressas para uma base segura ou para o avião de comando conhecido como Doomsday Plane (Avião do Juízo Final).
A partir desse momento, ele tem entre cinco e sete minutos — e não mais — para decidir se autoriza a retaliação nuclear. Sete minutos para decidir o destino da humanidade. A lógica é simples, burra, brutal: não dá para confirmar se foi um erro ou intencional o ataque, mas se não reagir antes de ser atingido, o país pode perder sua capacidade nuclear. Portanto, a recomendação é revidar com força.
Enquanto essas complexas análises se desenham em minutos, a cadeia de comando se mobiliza. A maleta nuclear é aberta, os códigos de autenticação são verificados, os protocolos de resposta são acionados. Em paralelo, submarinos e bombardeiros posicionados ao redor do mundo recebem ordens de prontidão máxima.
Aos 15 minutos, Washington é atingida. O impacto reduz a capital americana a escombros e silencia, em um único clarão, milhões de vidas. O Pentágono, o Capitólio, a Casa Branca, o coração da máquina de governo — tudo vira poeira. A partir daí, não há mais volta.
A retaliação americana vem como um trovão — rápida, automatizada, cega. Ogivas nucleares são lançadas de submarinos no Atlântico, do Alasca, de silos em Nebraska.
A Rússia, interpretando o ataque como um movimento global de aniquilação, ativa seu sistema de retaliação total, conhecido como "Perímetro". Em minutos, milhares de ogivas nucleares cortam os céus da América, Europa e Ásia. O mundo mergulha numa espiral de destruição recíproca: cidades inteiras desaparecem nestes continentes literalmente, num instante. Satélites são derrubados, redes de comunicação colapsam, estruturas políticas desintegram-se.
Meros 72 minutos depois do líder da Coreia do Norte decidir brincar de Diabo, tempo inferior ao de um jogo de futebol, a civilização já não existe mais. Especialistas estimam que 5 bilhões de pessoas morreriam neste período, cerca de 60% da população mundial. Restariam os sobreviventes — ou o que sobrou deles — para cumprir a profecia sombria de Kruschev: invejar os mortos.
Sim, seria o único sentimento possível. Ninguém os viria resgatar, nem haveria onde se esconder.
Embora Annie Jacobsen concentre sua narrativa nos centros de poder do Hemisfério Norte, os efeitos de uma guerra nuclear global seriam sentidos no Brasil logo nas primeiras horas. O país não seria alvo direto — mas sofreria, e muito, com o colapso das cadeias globais de abastecimento, a pane nos sistemas de comunicação e navegação por satélite, a interrupção do comércio internacional, a hiperinflação nos combustíveis e alimentos e o surgimento de ondas migratórias e conflitos sociais internos.
Com os Estados Unidos e Europa destruídos ou, no mínimo, completamente paralisados, o Brasil enfrentaria, isolado, uma das maiores crises da sua história moderna — sem ajuda externa, com instituições despreparadas e uma população em pânico.
Não para por aí: semanas depois, os efeitos do inverno nuclear atravessariam a linha do Equador e chegariam ao Sul do planeta. A luz solar diminuiria drasticamente, a temperatura despencaria, as safras agrícolas seriam devastadas, os estoques de alimentos colapsariam. Com alguma sorte, não cairiam mísseis no Brasil, mas cairiam os sistemas, as certezas, os vínculos com o mundo. E o abismo viria, não pelo clarão atômico, mas pelo colapso lento e cruel da ordem global — e da natureza.
Não é a primeira vez que chegamos tão perto da linha do fim do mundo. Em 1962, durante o episódio que acabaria conhecido como a Crise dos Mísseis, em Cuba, o mundo quase colapsou num inverno nuclear quando os Estados Unidos descobriram que a União Soviética havia instalado mísseis na ilha então governada por Fidel Castro apenas dias antes de estarem operacionais. Houve um bloqueio naval, com as armadas soviética e americana frente a frente no mar do Caribe, militares desesperados de um lado e do outro e nenhum canal direto de comunicação que permitisse reduzir as tensões. Estivemos à beira do precipício, com o corpo inclinado para o penhasco.
Foram 13 dias de muita tensão. O pior foi evitado graças a um enorme esforço de diplomacia, muita inteligência do presidente americano, John Kennedy, do seu irmão, o procurador-geral Robert, do secretário de Defesa, Robert MacNamara, e também do premiê soviético Nikita Kruschev. Foi por muito pouco. Se você tem curiosidade do que foi aquilo, vale a pena assistir ao filme Treze Dias que Mudaram o Mundo, disponível no streaming É uma obra-prima.
Hoje, diante da tensão no Oriente Médio e das revelações trazidas pelo livro de Jacobsen, o que mais angustia é saber que as bombas nucleares continuam espalhadas, são suficientes para destruir o mundo várias vezes, há generais em todos os cantos com uma disposição incomum para o conflito, mas faltam Kennedys, MacNamaras e Kruschevs. No lugar deles, temos o ignorante Trump, o cruel Putin, os loucos Netanyahu e Khamenei. Nunca, antes na história, tantos bilhões de vidas estiveram nas mãos de líderes tão imbecis. Se sobrevivermos, será por sorte – ou por Deus. Nunca, pelo mérito destes indivíduos.
Corrêa Neves Jr é jornalista, diretor do portal GCN, da rádio Difusora de Franca e CEO da rede Sampi de Portais de Notícias. Este artigo é publicado simultaneamente em toda a rede Sampi, nos portais de Araçatuba (Folha da Região), Bauru (JCNet), Campinas (Sampi Campinas), Franca (GCN), Jundiaí (JJ), Piracicaba (JP) e Vale do Paraíba (OVALE).
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2 Comentários
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ANDRÉ LUIZ CALIXTO DA SILVA 27/06/2025Li o texto e por sinal muito bem elaborado, só não concordo com o seu final. O premiê Netanyahu foi tão pacifista que deixou o pais dele vulnerável aos ataques de 07 de outubro o que resultou no sequestro dos reféns pelo grupo extremista Hamas, e o obrigou a tomar as atitudes que vimos nos últimos meses. Ninguém lembra dos reféns, estes que deveriam ser libertados de imediato aos atentados mas não é o que aconteceu, estranho não ver nos noticiários nada a respeito dos reféns, ao contrario só mencionam um lado tendenciosamente. Seria ele o \"louco da história\" por defender o seu país ou os extremistas palestinos do Hamas?. O presidente Trump vem travando uma batalha titânica contra a China, que vem a anos praticando o comércio unilateral e retendo divisas (dólares) não repassando nem para seus próprios cidadãos, nem para o resto do mundo, praticando uma politica obscura, onde o que importa é o alto investimentos na área militar, e a compra ao redor do mundo de empresas e terras, fazendo Lobby, interferindo nas decisões e nas politicas desses países, ele também vem combatendo os extremistas no Iêmen e no Irã que impedem navios e financiam grupos terroristas sem mencionar a herança da má administração do governo Biden no tocante a Ucrânia, seria ele o \"ignorante\" ou seria Xinginping, Putin e o governo do Irã, que dão causa a essa instabilidade. Ao meu ver Trump está colocando ordem no mundo, ou esquecemos da ameaças de Putin para não interferirem na guerra da Ucrânia ou veríamos uma resposta como nunca foi vista na história (ameaça nuclear), e na politica expansionista da China que é um pais comunista, com interesses obscuros. Trump surgiu no cenário mundial e relembrou os personagens que os USA são a superpotência do mundo. Assim, ao meu ver não é culpa do Trump nem do Netanyahu estarem se defendendo dos verdadeiros loucos que compram, manipulam e dão causa a toda essa instabilidade que vemos nos dias atuais, esses sim são os Loucos e Ignorantes que nunca são mencionados, por que será?.
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Rubens Festraits 23/06/2025Li todo o texto de autoria jornalista Corrêa Neves Jr. Ficção? Não importa. A insanidade dos líderes globais estão comandando ações que, realmente, pode destruir a civilização do Planeta Terra. Além das profecias bíblicas e evangélicas, lembro-me de uma que li quando ainda jovem, atribuída à Michel Nostradame, conhecido pelo nome lanitizado de Nostradamus, astrólogo, médico e vidente francês de renome. \"Um príncipe do Oriente se levanta contra um príncipe do Ocidente; O fogo cairá do céu e os astros serão abalados; a grande dama cairá ao mar e a cidade nova será destruída; dois terços da população perecerá; Um terço sobreviverá. 100 anos será o tempo em que a Terra demorará para se reconstruir\". Busquei entender a profecia e na época pesquisei, obtendo essas informações. Nostradamus viveu de 1.503 à 1.566. Trazendo o texto para a atualidade temos: Cidade Nova, possivelmente Nova Yorque. Grande Dama: a Estátua da Liberdade. O fogo caindo do céu, são os mísseis com ogivas nucleares. Vale lembrar que Nostradamus previu a 2ª Guerra Mundial e escreveu corretamente o nome de Hitler em uma de suas centúrias (previsões).