Nasci no ano de 1967, ainda no início do pontificado do Papa Paulo VI. E posso dizer que a minha geração e as gerações vindouras (além das que vieram pouco antes de mim) tiveram o grande privilégio de conhecerem papas que deram testemunho tão bonito da fé em Cristo Jesus, pontífices que foram verdadeiros Vigários de Cristo Jesus. Muitos deles até canonizados... Grandes homens que edificaram a Igreja e autênticos sucessores de Pedro, porque guardaram o tesouro da fé e por meio de suas pregações e testemunhos confirmaram a todos nós no caminho do Evangelho, seguindo os passos do Senhor Jesus, mantendo a nossa Igreja unida, em comunhão.
Fala-se que no tempo de São João Paulo II, as pessoas iam à Santa Sé para vê-lo: ele era possuidor dum carisma extraordinário. Por várias vezes visitou o Brasil, e me lembro de uma delas, quando ainda era adolescente, em São Paulo, em que estava em meio a uma multidão de pessoas para ver o papa passar em seu papamóvel. Quanta comoção, quanta alegria. Sua presença e o seu carisma encantava a todos.
Depois veio o Papa Bento XVI: grande teólogo. Que delícia escutar seus ensinamentos e pregações. De modo que, se antes as pessoas iam ao Vaticano para ver o Papa, no tempo do Papa Bento XVI, iam para escutá-lo.
Com o Papa Francisco, todos nós o sentimos tão próximo, ao passo que os que podiam ir até o Vaticano, esperavam tocar o Papa, em razão de sua proximidade. Ele desejava ser um pastor que verdadeiramente tinha o cheiro de suas ovelhas. Nos deixa esse legado marcado pela ternura, pelo amor, e compaixão com cada um de nós, também para com os pobres e todos os seres da natureza. Um papa que fez jus ao nome escolhido: Francisco, deu um testemunho tão bonito do carisma franciscano, tão importante e necessário em nossos dias. Penso que ele, a exemplo dos outros papas, nos deixa um testemunho de santidade através da sua humanidade, através de seus tantos gestos, muitos deles tão discretos, mas que falavam tão alto e nos ensinaram tantas coisas.
Me vem ao coração compartilhar as últimas palavras do Papa na sua autobiografia, lançada esse ano, onde o Papa fala por si mesmo:
“Hoje, por diversos motivos, muita gente parece não acreditar que um futuro feliz seja possível. Esses temores devem ser levados a sério, mas não são invencíveis. Ocorre que só podem ser superados se nós não os deixarmos em nós mesmos. Diante da maldade e das torpezas que nosso tempo reserva, nós também somos tentados a abandonar o sonho da liberdade.”
“Refugiamo-nos em nossas frágeis seguranças humanas, nossa rotina tranquilizadora e nossos medos tão bem conhecidos. E por fim, renunciamos à viagem rumo à felicidade da terra prometida para voltar à escravidão do Egito.
“Contudo”, escreve o Papa, “basta um único homem, uma única mulher para ver esperança. E esse homem e essa mulher pode ser você. Então, há outro você, há outro e mais outro e mais outro. Então, nos tornamos nós. Para nós, Cristãos, o futuro tem um nome, e esse nome é esperança. Ter esperança não significa ser um otimista ingênuo que ignora o drama do mal da humanidade. A esperança é virtude de um coração que não se fecha na escuridão, não se detém no passado, não vive como pode no presente, mas sabe viver o amanhã com lucidez. Nós, cristãos, devemos ser inquietos e alegres. A felicidade é sempre um encontro, e os outros são uma ocasião concreta para encontrar o próprio Cristo.” Parênteses meu: porque Cristo habita em nós.
“Em nosso tempo, a evangelização será possível pela propagação da alegria e da esperança. Então, a esperança só começa quando há o ‘nós’? Não, ela já começou com o ‘você’. Quando há o ‘nós’, começa uma revolução. Onde existe o Evangelho, não só ostentação, nem a sua instrumentalização, mas onde existe a sua presença concreta, há sempre revolução, uma revolução de ternura. A ternura nada mais é do que isto: amor que se torna próximo e concreto. É usar os olhos para ver os outros, para ouvir o grito dos pequenos, dos pobres, de quem tem o futuro.
“A ternura não é fraqueza, é verdadeira força. É a estrada percorrida pelos homens e pelas mulheres mais fortes e corajosos.”
Vamos percorrer a estrada dos mais fortes e corajosos que é a ternura, a estrada da ternura. Vamos percorrê-la e lutar com ternura e coragem!
Finalmente, seu último conselho: “Percorram-na, percorram-na! E lutem com ternura e coragem. Só apenas um passo.”
Só apenas um passo! Que possamos nós também, meus queridos irmãos e irmãs, sermos um passo. Que unidos, possamos caminhar firmes, confiantes, nos aproximarmos cada vez mais do amor de Deus. Deste Deus que permanecerá sempre como um mistério, como aquela nuvem que guiava o povo de Deus no deserto. Mistério insondável de amor maior que tudo aquilo que podemos pensar ou imaginar. Esse amor que transborda do coração de Deus, que alcança e reúne a todos nós num só coração. Que possamos também darmos um passo, um passo pequenino, um passo humilde, mas que unido aos passos de toda a Igreja, se torne um grande passo em direção à santidade, ao Reino de Deus que já está presente no meio de nós, ainda que não plenamente.
Que a memória e os ensinamentos do Papa Francisco permaneçam sempre vivos em nossos corações. Que possamos nos despedir dele com o coração cheio de gratidão. Rezemos por ele, e que a infinita Misericórdia o acolha no reino celestial. Que ele, a exemplo de tantos outros papas, a exemplo de tantos santos e santas de Deus, nos ajude a dar passos seguros e confiantes, ainda que pequenos, rumo ao Reino dos Céus.
(Principais trechos da homilia proferida em 21 de abril, por ocasião da Missa em sufrágio pela alma do Santo Padre)
Dom Arnaldo Carvalheiro Neto é Bispo Diocesano de Jundiaí