Quando Eugênio Pacelli morreu em 1958, senti como garoto católico, aluno de irmãs vicentinas e sacerdotes salvatorianos. Achava João XXIII um bonachão e cheguei a conhecer Paulo VI, quando pela primeira vez fui a Roma, em companhia de Francisco Vicente Rossi e fomos recebidos por Dom Agnelo Rossi. Ouvi uma homilia de Paulo VI e ele falava exatamente como meu nono, Jacintho Nalini. Inclusive com os “eco” utilizados como interjeição e subtraídos na publicação do “L’Osservatore Romano”.
Não estive com João Paulo II. Mas, em companhia de Ives Gandra e Crodowaldo Pavan, entreguei a Bento XVI o título de “Acadêmico honorário da Academia Paulista de Letras”, quando ele se hospedou no Colégio São Bento. Longe de ser o “rottweiler de Deus”, o Papa Ratzinger era um filósofo doce e terno.
Foi com Francisco, todavia, que tive maior proximidade. Não por estar com ele quando visitou São Paulo e recebeu o governador Alckmin e pequena comitiva em Aparecida. Nem pelos bons e prolongados momentos durante o encontro que ele promoveu em Roma, em maio de 2024, para o qual chamou vinte prefeitos e quis ouvi-los sobre a questão climática.
Ao lado do prefeito Ricardo Nunes, tive o privilégio de conversar com ele e entregar a maquete do Pátio do Colégio, onde São Paulo nasceu por obra dos jesuítas. O Papa estava bem-humorado. Sorriu. Fez piada.
À admiração pelo autor da “Laudato Si” acrescentou-se o respeito afetuoso por quem, como nenhum outro, compreendeu a real situação do planeta. Como observou o jornalista Reinaldo José Lopes, “num mundo em que o debate público foi ficando cada vez mais poluído por extremismos e maluquices, o pontífice argentino buscou mesclar respeito às evidências e compaixão. Não é pouca coisa”.
O seu compromisso com a natureza ficou evidenciado com a publicação dessa Encíclica, em tudo compatível com a mais séria e consistente produção científica a respeito do ambiente.
Um homem que optou pela singeleza, a partir da escolha de seu nome, a homenagem a quem serviu para simbolizar o milênio e que, em pleno século XIII de nossa era, tinha a coragem de chamar de “irmãos” aqueles elementos que continuam a ser ultrajados pela espécie que se diz a única racional sobre a Terra.
A dignidade com que enfrentou a fragilidade, o desprezo pelas pompas e circunstâncias, a preocupação com os pobres, que pudemos testemunhar quando da visita à Santa Sé, tudo isso fazem do Papa Francisco uma personalidade que terá de permanecer como inspiração para todos os seres de boa vontade.
No momento em que a geopolítica abandona o rumo saudável da descarbonização para refugiar-se no reducionismo do lucro fácil e imediato, a sua ausência física é uma tragédia que prejudica a cruzada de salvação da humanidade de maneira irrecuperável.
Motivo que impõe aos seus seguidores a perseverança no rumo cristão de salvar a humanidade, tão inconsciente dos riscos que se avizinham e da catástrofe praticamente inevitável, por isso mesmo a necessitar de garra e combatividade na busca da resiliência.
Francisco permanecerá com o seu padrão ético irrepreensível, com a sua humildade, com a sua sapiência, com o seu mais que comprovado amor ao próximo, notadamente aquele mais vulnerável e necessitado dos irmãos em melhor situação. Há muito a ser feito e que ganhará em eficácia se vier a refletir as lições que ele nos deixou e que permanecerão válidas sem qualquer limite temporal previsível.
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)