O avanço tecnológico é um dos fatores onde se observa mais facilmente a mudança do cotidiano, em uma sociedade. Muitas profissões existentes se atualizam de maneira dramática (veja o trabalho de um mecânico de automóveis há 20 anos e o compare com hoje!) e outras até surgiram em resposta a esse avanço.
A profissão médica, contudo, assimila estas mudanças muito lentamente, tal qual o lento caminhar de um velho eremita entre as montanhas, apoiado em seu cajado, em busca segurança no solo com passos modestos e curtos.
Tamanha cautela se justifica. O cuidado com a dor e o sofrimento dos pacientes é (e sempre o será) sagrado para os que fizeram o juramento de Hipócrates com o coração. Fazer uso de tecnologias que “facilitem” o trabalho de cura deve ser uma atividade livre de comprometer a relação de confiança entre médico e paciente.
Por isso mesmo que as IA’s (inteligências artificiais) podem e devem ajudar o médico moderno manipular a quantidade de dados, estatísticas, interações medicamentosas que é enorme e crescente a cada ano, dado que o avanço nas terapias não para. Novamente cabe a comparação, hoje existem reconhecidas nada menos que 55 especialidades médicas e imaginar que um homem sozinho tenha “de memória” as bases de tanto conhecimento é absurdo.
Torna-se oportuno, então, esclarecer que para além do conhecimento técnico, existe o estudo filosófico que nos permite chegar à essência da matéria médica: a compaixão que se tem pelo enfermo. Trata-se daquele sentimento intangível no mundo físico, mas tão real quanto os objetos que nos tocam, nascido da própria humanidade e percepção sobre o sofrimento alheio.
Carl Gustav Jung, pai da psicologia analítica, tem na sua frase clássica uma expressão perfeita para isso: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas, ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”. Acredito que caibam também no dito, as tecnologias que podem facilitar e enriquecer esse contato, mas nunca o substituir por completo.
Então, para aqueles temerosos de que um conjunto de monitor, teclado e CPU, ligados à internet vista um jaleco branco e per si substitua o trabalho médico de forma” mais barata e eficaz”, eis minha opinião pessoal: o elemento humano é o que o paciente procura de fato, através da compreensão da própria dor pelo olhar do médico.
Deste olhar emana a autoridade que o “jaleco branco” possui, pois o próprio paciente a concedeu. Todo tratamento e o poder de cura também daí se inicia. Só serão indiferentes enfermos que busquem um simples conselho técnico, frio e insípido, mostrando que a “doença” é mais profunda do que o esperado, já que lhe amputaram a sua própria humanidade.
Vejo a tecnologia com bons olhos. A pandemia nos ensinou a telemedicina, levando tratamento de qualidade a pessoas que de outra forma não teriam logística possível para se beneficiar dos conhecimentos de colegas eméritos. Eu mesmo faço muito uso dela e me vejo satisfeito como participante de muitos tratamentos de sucesso, de tal forma que, acredito, sem se perder da essência, nossa bússola de nossa conduta e ética, médicos e pacientes se beneficiam muito da expansão tecnológica na área da saúde.
Alexandre Martin é médico especialista em acupuntura, com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)
Comentários
3 Comentários
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VIVALDO JOSE BRETERNITZ 14/02/2025excelente texto
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Maria Cibele 14/02/2025Meu comentário no JJ foi cortado ????. Completo aqui: Concordo com Jung, por mais conhecimento teórico e técnico que se tenha não se deve perder a \"essência\".
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Maria Cibele 14/02/2025Concordo com Jung, por mais conhecimento teórico e técnico que se tenha, não se deve perd