OPINIÃO

O poder das pequenas coisas


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Tem um conhecido meu que fala algo muito engraçado, que “cai” muito bem neste começo de ano: “A expectativa é a mãe da decepção”. Eu confesso que, particularmente, achei um pouco chato e desagradável o comentário dele, quase um “balde de água fria” em quem está animado para um ano novo e épico.

 Ele mesmo não pensa deste modo (é claro), se considerando mais um “realista” do que um pessimista empenhado em “colocar água no chopp”. Entendo o contraste entre nós dois, já que reconheço a minha própria natureza entusiasmada para iniciar projetos e grandes mudanças.

O fato é que a vida se processa por etapas e cada passo é de igual importância, independentemente da circunstância dele. Cada etapa participa da “corrente de eventos” que nos conduz para os grandes fatos da nossa vida. Tal como uma corrente física, cada elo é fundamental no conjunto e por isso, igualmente importante.

Eu imagino quando N. Armstrong desceu da escada do módulo lunar não tenha dado um passo muito diferente daquele que fez, quando menino, para entrar na sala de aula no seu primeiro dia dentro do ensino fundamental. Ou quando deu um passo para entrar na igreja no dia do seu casamento. Ou quando pisou na sala para ser entrevistado na admissão do programa da NASA. Ou ainda quando entrou no hospital em 2012, para uma cirurgia cardíaca que se complicou. Todos foram igualmente indispensáveis e importantes.

Como ele mesmo falou, o que para a humanidade era “um salto”, para ele, era um passo: nem mais importante (diria o meu amigo) e principalmente, não “menos” importante (reforçaria eu) do que qualquer outro para a sua própria vida.

Claro, faço aqui o “mea culpa”: tenho a tendência, em conjunto com a metade otimista da humanidade, de ver para “além do além” dos horizontes e “superestimar” o comprometimento em realizar o proposto, aumentando muito a possibilidade de não fazer algo integralmente e, por consequência, surge um pacote de frustração no que se vislumbra.

Pior ainda, se o processo de “anabolizar aspirações” fica crônico, surge um elemento tóxico na operação alquímica da realidade que é tal como um subproduto indesejado: a ansiedade. Quando não se proporciona bem o que se quer, dividindo grandes e extensos projetos em passos bem medidos, o anseio pela conclusão cresce conforme a projeção, ficando difícil lidar com ela de maneira saudável.

Esse resíduo infiltra o nosso sistema nervoso e o corpo dá o alerta despertando sintomas clássicos de insônia, tensões nos ombros, irritabilidade e impaciência, podendo brevemente afetar outros sistemas básicos, como digestão e evacuação. 

Aprender a proporcionar, entendam, não é se reprimir nas vontades. Ao contrário, é acrescentar valor no produto acabado, “dourando” cada etapa do processo e, principalmente, mantendo a percepção onde realmente o prazer se encontra: no momento presente.

O único momento em que podemos ser felizes, de fato, é o agora, vivenciando o que temos da forma em que ele se apresenta. O elo seguinte só é mais forte porque nos concentramos na execução do elo atual. O passo seguinte só pode ser dado com segurança porque o de agora foi bem “arriado” no chão.

Então, sigo seguro no meu primeiro convite ao leitor(a) neste novo ano: vamos “curtir” o simples e próximo? Descobrir a possibilidade inusitada que está bem ao nosso lado, ao alcance da mão?

Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)

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