OPINIÃO

O elevador, lembranças e esperança


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Último dia do ano. Estou dentro do elevador, descendo. Paro no sétimo andar e uma querida vizinha, amiga dos tempos de colégio, entra. Conversa vai, vem, até que desejo um bom ano para nós. E ela, conhecida das antigas, mesma idade que eu, diz: “Quando estávamos na escola, esse bom ano futuro que surgia, e os próximos do ‘novo milênio’ eram cheios de expectativas boas.” “Pois é, respondi. E estamos nele e só vemos piora. Parece que..- ..acabou a esperança?- Tipo isso mesmo…” E a conversa terminou com uma piada sem graça minha, uma risada polida dela, um abraço. Mas fiquei taciturno. Macambúzio.

De fato, lembro bem da virada de 1999 para 2000. Um tempo de esperança.

Ok, houve o temor coletivo do "bug do milênio": os computadores não conseguiriam entender a mudança de milênio e isso causaria uma pane geral em sistemas e serviços (a teoria era de que muitas máquinas ao redor do mundo não entenderiam a virada de 31 de dezembro de 1999 para 1º de janeiro de 2000). Mas, no fim, nada disso aconteceu.

Tirando isso, nada de novo. O Brasil estava saindo do atoleiro com força. A Argentina afundava (como sempre, infelizmente). A Europa estava eufórica: em 2002, as moedas nacionais seriam substituídas pelo euro dentro dos países pertencentes à União Europeia (onde estavam as maiores economias do continente). Parecia que a tecnologia seria benéfica. A internet, jovenzinha. Tempos em que despontava o Orkut (e suas comunidades que discutiam, dentre tantas coisas, política jundiaiense, onde conheci gente incrível, como o amigo e ex-sócio Ronaldo Trentini e o atual presidente da Câmara Edicarlos) e o ICQ como redes sociais. Celular legal era aquele que tinha flip e luz azul. Eu sonhava em ganhar muito dinheiro e comprar um Tempra ou um Vectra. Mas estava feliz com um Ford Ka (que meus inimigos insistiam em dizer que eu "vestia" quando entrava para dirigi-lo...).
Tempo bom. Estava entre o Terceirão do Ensino Médio, em uma sala cheia de pessoas que ainda são amigas (inclusive minha vizinha de linhas atrás) e a minha entrada na Universidade de São Paulo. O futuro era tudo o que nós, entre os 18 e 20 anos de idade à época, tínhamos. E ele foi bom para uns, ruim para outros. Coisas da vida, das vicissitudes, dos acasos e das conjunturas. nada é simples. Mas havia, até então, uma esperança no ar.

De certa forma. 

Hoje sinto que cheguei ao futuro de 2000. Não posso reclamar de minha vida. Nunca me faltou nada, tenho meus pais comigo, um lindo sobrinho, afilhados incríveis, minha comunidade na Igreja, meus amigos e... Nelson Cid (desculpem-me: trata-se de piada interna que não poderia deixar de fazer).

Mas se minha vida está legal, não vejo o mundo da mesma maneira. Há uma raiva no ar. As pessoas deixaram de aprender umas com as outras. Querem lacrar. E para isso tudo é usado. Existem as pessoas que exigem mudanças goela abaixo. Pessoas que querem o retorno ao passado a todo custo. Interpretações do que acham certo e errado. Guerras brotam. Grupos extremistas pararam de ter medo de aparecer. Portanto, será que acabou a esperança no futuro?

Enquanto pensava nisso, lembrei das palavras do papa Francisco: "o futuro tem um nome e este nome é esperança". A esperança é a virtude de um coração que não se fecha na escuridão, não para no passado, não sobrevive no presente, mas sabe ver o amanhã". Ou seja, a ideia de futuro PRECISA estar atrelada à esperança, e esta vai além das satisfações cotidianas e das melhorias nas condições de vida. Ela transporta-nos para além das provações e nos impele a caminhar sem perder de vista a grandeza da meta a que somos chamados, que é ser luz no mundo.

E assim encerro essas primeiras linhas de 2025.

A esperança não acabou. Não pode e nem deve acabar.

Um bom 2025 para nós.

Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)

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