Um livro que me cativou, ainda adolescente, foi o “Cem dias entre céu e mar” onde o autor e navegador brasileiro Amyr Klink narra a jornada de travessia do Oceano Atlântico em um barco a remo. Recordo de um trecho onde um dos marceneiros trabalhando na construção do barco se preocupa com a elegância do projeto e comenta sobre isso com o próprio Amyr, que por sua vez lhe devolveu uma resposta como esta:
“O importante é que o barco cumpra a sua função, a elegância tem pouca influência” , disse o explorador.
“Não, Amyr, a beleza e a elegância acalmam a mente, satisfazem o espírito. São muito importantes, sim” – concluiu, respeitoso, o artesão.
Ainda que não me lembre das palavras exatas, o conhecimento no diálogo é imprescindível. Sim, a beleza e harmonia estética alimentam uma parte da nossa energia que é tão atuante e importante no resultado de um projeto quanto os componentes técnicos e lógicos. Tive um exemplo prático disso um tempo depois, já na faculdade.
Na época, quando se fazia uma cirurgia de retirada de mama para cuidar de um câncer, deixava-se a mulher sem um “volume” na sua silhueta, tornando o processo mutilador e muito chocante, gerando estigma pelo tratamento. Desenvolveu-se, então, uma técnica utilizando o músculo abdominal como “enchimento” do espaço deixado pela amputação, pois as próteses de silicone eram muito caras e de acesso limitado.
O resultado estético valia o trabalho: a paciente recuperava-se rapidamente e aceitando melhor o tratamento sabendo que a sua beleza e feminilidade seriam tão bem cuidadas quanto a doença.
Claro que o equilíbrio é fundamental e o reconhecimento do extremo oposto na estética faz parte disso: se é possível sofrer pela escassez de beleza, também o é ao nos tornarmos escravos de conceitos fabricados, que não nos pertencem.
É comum que eu atenda mulheres, em particular adolescentes, que acreditam estar sofrendo de algum tipo de desarranjo por não se adequarem em determinadas medidas de cintura, peso na balança, volume de mama, que muitas vezes são determinados por uma ditadura silenciosa (porém tirânica) da mídia social, de forma totalmente irreal.
Acredito que a melhor proteção para esse tipo de viés é o conhecimento de que devemos satisfazer em primeiro lugar o amor-próprio e o fundamento para isso é o que sentimos sobre nós mesmos, de maneira leve e completa.
Comparações são pouco válidas neste aspecto e não devem contaminar a mente com aspirações e silhuetas que não são as suas próprias, sob pena de se entregar a um processo neurótico (e arriscado) atrás de uma perfeição irreal, buscando validação vinda de outras pessoas ou mesmo para atingir padrões ilusórios para ser “a escolhida” em um grupo ou relacionamento.
O antídoto para esse equívoco é, repito, trabalhar no amor-próprio. Você se reconhece como um ser completo? Reconhece suas características autênticas e genuínas e por isso mesmo, tão únicas quanto a sua impressão digital? Caso afirmativo, todo processo de estética alinhado com isso será extremamente satisfatório e só melhorará o seu brilho.
Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)