A ciência ensina e a humanidade não quer aprender. Nem todo o espaço territorial tem de ser ocupado com edificações. É preciso deixar solo permeável para o escoamento da água. Principalmente agora, quando a natureza resolveu se vingar dos maus-tratos e reserva intensificação de fenômenos extremos.
Toda cidade precisa ter a sua Carta Geotécnica de Aptidão Urbana. Instrumento de exposição das características e vulnerabilidades da área reservada a essa entidade federativa chamada município.
Imprudente, omissa e até delitiva a atuação de autoridades locais que se recusem a conhecer o grau de suscetibilidade de sua terra a fenômenos como inundações, afundamentos, deslizamentos, alagamentos, erosão e demais problemas geológicos e hidrológicos, dentre outras características.
Na Federação Brasileira, o excesso de 5.570 municípios, nem todos eles governados por pessoas prudentes e qualificadas, mostra quase integral desconhecimento dos perigos a que suas populações se encontram expostas. É urgente a ordenação do planejamento municipal. Todo o território precisa ser submetido a estudos geológicos e hidrológicos, para verificar o grau de significativas vulnerabilidades.
O maior problema do presente e que se agravará no futuro é o da emergência climática. O mundo já se aqueceu demais, cerca de 2,5º C, em algumas décadas. Continuará a esquentar, por força do aquecimento global, gerado pelo excesso de emissões dos gases causadores do efeito-estufa. E as ondas de calor continuarão a abreviar o termo final da existência de milhões de pessoas. Notadamente as idosas, as hipertensas, as diabéticas, as portadoras de problemas cardiovasculares. As idosas, as crianças e as gestantes.
Haverá falta d’água e a crise hídrica já atinge muitas cidades. O número delas, lamentavelmente, será multiplicado daqui por diante. Uma carta geológica pode ser elaborada com a orientação técnica do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo. Servirá de guia orientador do prefeito e das Câmaras Municipais, para embasar o planejamento territorial, a elaboração e execução de políticas públicas urbanas e a gestão de riscos. O desenvolvimento de uma cidade, no século 21, tem de ser adequado, seguro, sustentável e de acordo com o ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Essa preocupação é de todos, mas precisa ser incentivada pelo poder público, que só existe porque é sustentado pela população.
A ocupação indiscriminada de área insuscetíveis de sediarem moradias só existe em virtude da ganância, da especulação imobiliária, da ignorância e da ausência de fiscalização por parte da Prefeitura. Em toda cidade existe local com baixa ou nenhuma aptidão à urbanização, ou espaço inapto ao adensamento populacional. Lugares sujeitos a alta potencialidade de inundação, alagamento, enxurrada, erosão fluvial, solapamento de taludes e assoreamento.
Os desmoronamentos podem ser evitados. Assim como a ocupação das encostas e das áreas de preservação permanente. Hoje, o conhecimento científico permite elaborar estudos geológico-geotécnicos e hidrológico-hidráulicos, para que o governo da cidade pense os próximos cinquenta anos, não o intervalo até as próximas eleições.
E a palavra de ordem é eliminar a absoluta impermeabilização. Devolver à natureza o que dela se roubou. Sim, subtração violenta: vegetação, árvores, córregos enterrados e canalizados. Tudo contrário à natureza. O preço é pago com vidas humanas. De valor incalculável.
José Renato Nalini é reitor, docente da pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)