Estamos em setembro e o “zero grau” astrológico no signo de Libra é coincidente com o equinócio no hemisfério sul, apontando o início de uma série de mudanças em clima, humores e energias, comumente designadas em seu conjunto sob o nome “primavera”.
Em outras palavras: parabéns para nós, chegamos a mais uma primavera!
Existem tradições bem antigas, dos primórdios do surgimento de comunidades humanas em que comemoraram esta data como uma festa digna de uma vitória, realmente. Pensando nas condições em que vivíamos naquela época, sem recursos, dependentes do esforço de muitos para boas colheitas e caça, atravessar a estiagem do inverno era um privilégio que não se estendia a todos.
Claro que o leitor, atento, pode argumentar que as condições de hoje são outras. Nosso cotidiano, ainda que careça de muito para ser classificado como um “paraíso”, é muito mais abundante e solidário do que já se apresentou outrora. Alimentos são abundantes e, ao menos no nosso meio mais próximo, a fome não é um desafio imediato, tal como o era, no frio e na seca das “invernagens” do velho mundo.
Concordo e agradeço que assim o seja. A evolução tecnológica nos permitiu este estágio de segurança da nossa subsistência. Complemento essa observação comentando, um tanto ardiloso, do clima em constante mudança, visto o nosso inverno nem tão frio ou rigoroso quanto já o foi. Torna-se justo, então, perguntar se ainda é lógico manter essa divisão de estações.
Eu mesmo posso encaminhar a questão, revelando o meu ardil e emergindo com um pensamento diferente do comum. A primavera ocorre também “dentro” das pessoas e, portanto, se trata de um ciclo da própria vida em todas suas manifestações, não se balizando exclusivamente no clima.
Dentro da filosofia que rege o pensamento na tradicional medicina chinesa, a primavera ocorre com o despertar da energia da própria vida, no seu estágio de nascimento, depois da sua (quase) ausência para suportar o inverno. É a força do broto verde que surge por debaixo da casca morta no tronco da árvore, desenrolando e mostrando que, progressivamente, a abundância irá voltar.
No nosso corpo, a energia se desenvolve, retorna a superfície e irriga a pele, que passa a ser um órgão privilegiado. Durante o inverno, a reclusão necessária nos afasta do convívio social, mas o calor e o bom humor são elevados para que a pele seja nossa interface para, através do tato, sentir o mundo, explorar e estreitar relacionamentos, sejam amistosos ou românticos. Afinal, a primavera é também conhecida como a estação do amor e da fertilidade, não por acaso.
Dentro da mesma filosofia se explica as disfuncionalidades da pele e das mucosas nasais típicas dessa época. A quantidade de pólen e outros desencadeantes no ambiente aumenta e as rinites e urticárias voltam à ativa, mas também o fazem com mais força pela presença deste incremento energético que leva a atenção para a superfície do corpo.
Então, sugiro que cuidemos da nossa primavera “interna” melhor do que cuidamos do nosso meio ambiente e seus impactos descontrolando a primavera “externa”, a começar por atentarmos nas nossas mudanças de hábitos, de alimentares até os sociais, para que façamos florescer em nós saúde e manifestar na comunidade uma consciência coletiva mais ampla.
Alexandre Martin é médico especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)