Continuo na França, mais exatamente em Paris, em missão oficial. A Casa São Paulo é uma das iniciativas brasileiras para divulgar a quarta maior cidade do mundo perante os milhões de partícipes das Olimpíadas. Paris se preparou com apuro e oferece uma ambientação acolhedora, como nunca dantes se viu. Parece que a população foi treinada a bem receber. As pessoas estão gentis, cordiais, solícitas. Os motoristas respeitam os pedestres, “la priorité est le pieton” é um lema antigo na Cidade-Luz.
Desde 1975, foi-me concedido o privilégio de permanecer durante períodos curtos ou prolongados, neste espaço em que se respira cultura e História. Desta feita, além da programação formal, sempre restou oportunidade para prosseguir na visita aos templos católicos. A França de Santa Teresinha de Lisieux, São Luís, Santa Joana D’Arc e São Vicente de Paulo preservou suas igrejas. Em 2024, foi elaborado um guia de visitas às “eglises” de Paris. São cento e dezenove as escolhidas, separadas por “arrondissement”, esta repartição regional urbana que funciona há séculos.
Farto material informativo sobre a origem da edificação, quem tomou a iniciativa, quem patrocinou a obra. Mais ainda, os párocos, as pessoas que frequentavam as missas e atividades desenvolvidas. Fica-se sabendo que a adolescente Therèse Martin rezou na Igreja de Nossa Senhora da Vitória antes de viajar a Roma e de pedir ao Papa autorizasse o seu ingresso no Carmelo aos quinze anos.
Continua repleta a Capela da Medalha Milagrosa, onde Nossa Senhora apareceu a Santa Catarina Labouré e a encarregou de cunhar uma efígie em metal, cujo portador merece proteção especial de parte da Mãe do Salvador.
Mas não é só na religião que Paris cultiva a memória. Em todos os edifícios históricos há detalhadas informações sobre o significado daquela obra. E algo que poderia ser feito no Brasil, infelizmente desmemoriado e negligente em relação ao passado, a aposição de placas indicativas de pessoas que nasceram, viveram ou morreram em seus prédios zelosamente preservados.
Não há rua parisiense em que se não encontre a inscrição de que ali morou La Fontaine, Racine, Proust, Mallarmé, Madame Sévigné, mas também os modernos: Raymond Aron, Simone de Beauvoir, Paul Sartre, Madame Curie e tantas outras glórias gaulesas.
Estátuas celebram a França imortal, eterna por suas façanhas intelectuais e inspiradora do mundo moderno, a partir do lema “Liberté, Egalité, Fraternité”. São inúmeras as homenagens a Honoré de Balzac, a Bernardin Saint Pierre, a Charles de Gaulle, espalhadas pela cidade.
Visitei o “Jardin des Plantes”, que não é somente o Jardim Botânico de Paris. É um conjunto magnífico de museus: de História Natural, de Botânica, de Mineralogia, de Arqueologia. Um imenso roseiral, com rosas do mundo inteiro, ao lado do mais antigo cedro plantado em Paris, no século XVIII. Com indicação de quem o plantou. E muitas árvores com as placas que identificam visitas importantes que deixaram sua marca na cidade, mediante o plantio de espécies arbóreas que hoje embelezam o lugar. Tudo o que pode ser feito para manter viva a tradição, como legado às atuais gerações. Elas sabem, na França, que o mundo não começou com o nascimento delas.
Maior do que a distância física, é o fosso intransponível entre o que a França propõe como preservação da memória histórica e aquilo que aqui não se faz. Isso explica muita coisa sobre a nossa diferença com o Primeiro Mundo.
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)